O Globo
Nas ruas e nas estradas, os veículos elétricos começam a ganhar força, impulsionados por projetos de montadoras, indústrias, prefeituras e empresas do setor de energia e varejo. Os modelos movidos a bateria, em substituição ao diesel e à gasolina, devem chegar a quase 46,6 mil unidades vendidas somente neste ano no Brasil.
Será um crescimento de 33% em relação ao ano passado, quando 35 mil unidades foram comercializadas entre carros, furgões, caminhões e ônibus, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
O avanço vem sendo puxado por empresas e indústrias, que estão eletrificando sua frota de olho, principalmente, na redução de emissões de gases causadores do efeito estufa, e por prefeituras, que começam a substituir os ônibus públicos movidos a diesel.
Desde que a Volkswagen Caminhões e Ônibus lançou seu primeiro caminhão 100% elétrico, no ano passado, a aceitação tem sido acima do esperado, afirma Antonio Roberto Cortes, presidente e CEO da companhia.
Já foram vendidas 350 unidades e há acordos assinados para a comercialização de mais mil caminhões para companhias como Ambev, Coca-Cola, Raízen e Grupo Vamos, entre outros.
“Investimos R$ 110 milhões no desenvolvimento de produto e em engenharia na nossa fábrica em Resende, no Rio. A perspectiva é que o segmento ganhe espaço. Mas há uma série de desafios, como as baterias. Por isso, estamos conversando com empresas para ver o que pode ser fabricado aqui no país”, explica Cortes.
A produção de ônibus elétricos também está no radar da montadora, conta o executivo. É reflexo dos diversos projetos que começam a ganhar força em cidades espalhadas pelo país.
De olho nesse potencial, a Enel X, braço de negócios global da Enel que atua no fornecimento e eficiência energética, vem desenvolvendo infraestrutura de recarga e criando projetos de geração sustentável, como solar e eólica, em ao menos quatro cidades.
Sustentável do início ao fim
A empresa de energia pretende participar da licitação que será feita em Goiânia (Goiás), após estudos feitos na cidade, para fornecer a solução completa, da entrega dos ônibus ao sistema de carregamento e geração de energia renovável para as baterias dos veículos.
Em Curitiba (Paraná), está sendo feita uma chamada pública para iniciar um projeto-piloto. Já em Angra dos Reis (Rio), a companhia é responsável pelas análises para uma parceria público-privada.
“Não adianta ter carro elétrico com uma bateria gerada a partir de energia fóssil. A ideia é ser sustentável do início ao fim e criar modelos que ajudem a melhorar o serviço para a população e a reduzir os custos. Em estudos que fizemos, há queda entre 50% e 60% nas despesas com manutenção e de 70% a 75% na economia de energia”, explica Carlos Eduardo de Souza, diretor da Enel X.
Há ainda uma série de outros locais onde projetos com ônibus elétricos começam a ganhar força, como Fortaleza (Ceará), Salvador (Bahia), São Paulo, São José dos Campos (SP). Mas, apesar do interesse, a frota elétrica no país ainda é tímida.
Segundo Adalberto Maluf, presidente do Conselho Diretor da ABVE, o Brasil tem hoje apenas 371 ônibus elétricos, com base em dados do E-bus Radar. Ele ressalta que o Brasil é o único país do G-20 que não tem plano nacional de mobilidade elétrica:
“Somos o quarto maior fabricante de veículos pesados do mundo e o nono maior de carros leves. Sem um plano nacional, não há coordenação. O que temos hoje são empresas privadas movidas pela necessidade de reduzir a emissão por conta da agenda sustentável e algumas cidades”.
Os projetos de logística das empresas vêm estimulando a venda de caminhões elétricos, que deve mais que dobrar este ano, passando de 293 unidades para mais de 600 até dezembro, segundo a ABVE.
Alta ainda maior está prevista para os comerciais leves (furgões, por exemplo), que devem passar das 151 unidades vendidas em 2021 para mais de mil este ano.
Paulo Zagman, vice-presidente de Logística da Ambev, lembra que a empresa tem uma frota elétrica de 255 veículos em diversas cidades no Brasil, que já rodaram mais de 500 mil quilômetros, poupando a emissão de 1.540 toneladas de gás carbônico na atmosfera e 150 mil litros de diesel.
O executivo destaca que as parcerias são fundamentais nesse processo, que exige um ecossistema amplo. Ele cita acordos com a Volkswagen e a JAC Motors.
Além disso, a cervejaria se juntou com a Fábrica Nacional de Mobilidades (FNM), uma startup de veículos elétricos que participou de um programa de aceleração da empresa em 2019 para o desenvolvimento de mil veículos elétricos, como caminhões e vans, previstos para estarem nas ruas até o fim de 2023.
“Queremos ter 100% da eletricidade comprada de fontes renováveis e reduzir em 25% as emissões de carbono em toda a cadeia de valor até 2025”, diz Zagman.
A Light, por exemplo, investe R$ 8,6 milhões em um projeto de eletrificação de sua frota. O objetivo é a redução de custos operacionais a partir da substituição dos atuais veículos a combustão.
O projeto, que começa este mês, envolve ainda o desenvolvimento de infraestrutura de recarga em suas subestações.
A Americanas também acelera seus investimentos. Hoje, a varejista conta com mais de 300 veículos ecoeficientes, como bicicletas e tuk-tuks elétricos, entre outros. No primeiro semestre deste ano, foram investidos R$ 126 milhões -avanço de 224% frente ao mesmo período de 2021.
Patrícia Bello, gerente de projetos e inovação da plataforma de logística da companhia, destaca ainda a parceria com startups para novas soluções:
“Já temos cem eletropostos em operação. A ideia é que os veículos circulem de dia e carreguem durante a noite nas bases operacionais da empresa. Nossa frota elétrica opera em nove estados e já representa 24% da operação de entrega até a casa do cliente”.
Quem também vem recorrendo a aquisições e parcerias para avançar na eletrificação é a Vibra (ex-BR Distribuidora). A estratégia da empresa é transformar seus 8.300 postos de combustíveis espalhados pelo Brasil em postos de energia.
Para isso, antecipa Bernardo Kos Winik, vice-presidente executivo Comercial B2B da Vibra, a empresa planeja desenvolver projetos de geração renovável de energia ao mesmo tempo em que amplia o número de estações de recarga para as baterias.
Segundo ele, a Vibra já tem 400 estações de carregamento e quer chegar a 500 no próximo ano em locais como estacionamentos e shoppings. Nestes locais, a recarga leva, em média, oito horas.
A Vibra, contudo, está desenvolvendo estações de carregamento ultrarrápido, que atingem 80% da bateria em até 20 minutos.
A meta é chegar a 70 unidades até 2023 em locais como rodovias, cobrindo cerca de nove mil quilômetros.
“Existe demanda e é grande. Estamos conversando ainda com concessionárias, para ter soluções de eletroposto, e com empresas de aluguel de carro que já estão eletrificando suas frotas. Mas há desafios. As estações precisam estar conectadas e dar ao cliente previsibilidade, permitindo saber onde estão as estações e os horários livres para recarregar. Essa jornada está sendo montada”, conta Winik. (O Globo/Bruno Rosa)