Cenário de incerteza leva Copom a prolongar taxa básica em 13,57%

O Estado de S. Paulo

 

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) manteve ontem a Selic em 13,75% ao ano e voltou a indicar a permanência da taxa básica de juros em patamar elevado por “período suficientemente prolongado” até a estabilização da inflação. Em comunicado divulgado após sua reunião, também ressaltou que “a conjuntura, ainda particularmente incerta e volátil, requer serenidade na avaliação dos riscos”.

 

“O comitê se manterá vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação”, diz o comunicado. Na sequência, repete o aviso de que poderá ajustar os passos futuros e que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.

 

É a segunda vez consecutiva que o Copom mantém a Selic em 13,75%, depois de ter concluído, no encontro de setembro, o mais longo ciclo de alta dos juros da história – iniciado ainda em março de 2021. Nesse processo de aperto monetário, foram 12 altas consecutivas, com um aumento acumulado de 11,75 pontos porcentuais, o maior desde 1999. Mesmo com a manutenção, a Selic está no patamar mais alto desde o fim de 2016.

 

Para a economista da XP Tatiana Nogueira, o BC vai se manter em modo “esperar para ver” até as incertezas tanto no Brasil quanto no exterior se dissiparem. Ela lembra que tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), adversários no segundo turno da eleição presidencial, já disseram que vão mexer na regra do teto dos gastos. “Dado que a dívida e o serviço da dívida brasileiros continuam elevados, consideramos uma nova âncora fiscal (crível) como condição essencial para que as expectativas de inflação convirjam para a trajetória da meta”, afirmou.

 

“Esperávamos que ele (o Banco Central) iria manter esse discurso conservador, porque o IPCA ainda tem mostrado uma desinflação pequena no curto prazo, com a queda mais focada em administrados”, afirmou o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi. “Acho que ele (o BC) entregou uma mensagem mais dura hoje (ontem), com alterações no texto apenas para incorporar os últimos 45 dias.”

 

Riscos

 

Entre os riscos de alta para o cenário de inflação, o Copom mencionou três fatores. O primeiro é uma maior persistência das pressões inflacionárias globais. O BC também cita a incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal no Brasil e estímulos fiscais adicionais que podem sustentar a demanda agregada, que, para o comitê, estão parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos. Há ainda o risco de a ociosidade presente na economia ser menor do que a projetada pelo BC – “em particular no mercado de trabalho”.

 

O BC também atualizou suas projeções para a inflação. A projeção para o IPCA de 2022 foi mantida em 5,8%. No caso de 2023, a projeção passou de 4,6% para 4,8%. Para 2024, a atualização foi de 2,8% para 2,9%.

 

O aumento ou a manutenção de juros em patamar elevado se reflete em taxas bancárias mais elevadas, embora haja uma defasagem entre a decisão do BC e o encarecimento do crédito (entre seis meses e nove meses). A Selic também influencia negativamente o consumo da população e os investimentos produtivos. Por outro lado, aplicações em renda fixa, como no Tesouro Direto e em debêntures (títulos de empresas), passam a render mais.

 

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou entender a decisão do Copom, mas disse esperar o início em breve do processo de redução da Selic. “Os juros em nível mais baixo deixam de representar entrave tão intenso ao consumo e aos investimentos e, assim, permitem melhor desempenho da economia. E, além disso, não comprometem o processo de combate à inflação. Para permitir um início mais rápido e uma queda mais intensa da taxa de juros, é importante o controle dos gastos públicos e compromisso com o equilíbrio fiscal”, afirmou o presidente da entidade, Robson de Andrade.

 

A decisão do Copom de manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano já era esperada pelo mercado. Apesar dessa certeza, os gestores de investimento ainda aguardam o resultado de outro evento antes de definir suas estratégias para os próximos meses: o segundo turno das eleições, neste domingo. Até lá, a recomendação é de cautela, mas, dado o contexto macroeconômico, a renda fixa continua sendo a melhor opção para o investidor, por proporcionar bom retorno com baixo risco.

 

Para além das incertezas geradas pela cena política nacional – que têm o poder de fazer com que o dólar suba e, consequentemente, também a inflação –, há crises internacionais que geram dúvidas antagônicas entre os gestores. No radar, está a possível desaceleração da China, que pode gerar uma crise desinflacionária, como também está o agravamento da crise na Europa, que pode elevar a inflação.

 

Até aqui, os investimentos pós-fixados atrelados a taxas flutuantes – como Selic, CDI (Certificado de Depósito Interbancário, a taxa de juros cobrada nos empréstimos entre bancos) e IPCA – eram os mais recomendados, pois esses índices corrigem o retorno do investimento conforme suas respectivas variações. Porém, com a leve melhora da inflação e a perspectiva de que a taxa de juros comece a cair em meados de 2023, os prefixados começam a ganhar terreno em algumas gestoras.

 

É o caso da Warren, conforme explicou o especialista em alocação de investimentos da casa, Carlos Macedo. “À medida que o Banco Central chega perto do fim do ciclo (de alta de juros), isso significa que talvez essa taxa seja o suficiente para desinflacionar a economia. Assim, o retorno dos investimentos indexados à inflação deve cair. Então, é melhor ‘travar’ essa taxa agora com uma parte em prefixados.”

 

Os ativos prefixados são mais arriscados do que os pós fixados, pois o seu rendimento não varia conforme os indicadores econômicos. Ou seja, ano que vem, caso a economia piore e a Selic e o IPCA subam, os investimentos prefixados não vão acompanhar os índices, uma vez que o rendimento já é determinado no momento da compra do papel e não muda a partir daí. A recomendação, então, é diversificar a carteira.

 

Curto prazo

 

Para uma estratégia de curto prazo, o Tesouro Selic é uma boa alternativa para uma reserva de emergência, pois, lembra Lucas Carvalho, analista-chefe da Toro, o risco é baixíssimo e é possível ganhar mais de 1% bruto ao mês. Papéis atrelados ao CDI também acompanham os movimentos da Selic e podem ser utilizados com o mesmo propósito de investimento com alta liquidez.

 

Já para o longo prazo, os títulos indexados à inflação são os mais indicados. “Estão pagando muito bem, porém estão oscilando bastante por conta da deflação em alguns meses, e também por uma inflação que deve ser cada vez menor. O que pode jogar a favor desses títulos são as taxas fixas que hoje estão pagando a inflação do período mais o prêmio de 9%”, explicou Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos.

 

No caso da renda variável, Macedo, da Warren, disse que há um otimismo em relação à Bolsa brasileira “independentemente do próximo governante”. O que muda é em qual setor apostar. “Se (Jair) Bolsonaro ganhar, você deve ter um maior conforto em empresas estatais e utilities. Se for um governo Lula, é de se imaginar que voltem com mais força o programa Minha Casa Minha Vida, o que beneficia construtoras; se voltar o Fies, isso beneficia as empresas de educação. Se vier uma política firme de transferência de renda, isso beneficia o varejo e de valor agregado menor, como vestuário”, disse. (O Estado de S. Paulo/Thaís Barcellos, Eduardo Rodrigues, Eduardo Laguna e Mateus Fagundes)