Relatório aponta saídas para o Brasil emitir menos metano

O Estado de S. Paulo

 

Ampliar políticas e medidas que já existem nos setores de agropecuária, energia, saneamento e controle do desmatamento pode reduzir as emissões de metano (CH4) do Brasil em até 36% em relação aos níveis de 2020, conforme relatório do Observatório do Clima (OC) apresentado nesta segunda-feira. O gás é o segundo maior responsável pelo aquecimento global. Quase metade do aumento de temperatura da Terra após a Revolução Industrial, no século 19, se deve às emissões de metano.

 

A estimativa é maior do que os 30% propostos para 2030 pelo Compromisso Global do Metano, um acordo voluntário assinado pelo Brasil e cerca de 120 países em 2021, em Glasgow, durante a Cúpula do Clima da ONU (COP-26). O potencial brasileiro, porém, é ainda maior, segundo o relatório. Em longo prazo, com políticas de corte mais profundas e investimento maior, as emissões podem ser reduzidas em até 75%, aponta o OC, rede da sociedade civil brasileira formada por 77 organizações, incluindo ONGS ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais.

 

O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do OC aponta que, se mantidas as políticas atuais de controle de emissões de metano, o Brasil chegará a 2030 emitindo 7% a mais do que em 2020. A ampliação de uma série de políticas e medidas em todos os setores, no entanto, permite reduzir as emissões até 2030 para 13,75 milhões de toneladas, ou 36,5% de corte. “Estamos propondo que o Brasil adote a meta de 36% até 2030 comparada a 2020. A gente acha que é plenamente possível fazer isso e o Brasil sairia na frente e puxaria a meta de reduções”, afirma Tasso Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima e do SEEG.

 

Soluções

 

Entre as medidas para alcançar essa meta estão o manejo dos dejetos animais, o melhoramento genético do rebanho bovino e a adoção da terminação intensiva, o abate precoce com engorda acelerada dos animais, além da eliminação da queima da palha da cana – prática já adotada no Estado de São Paulo, o maior produtor nacional de cana-de-açúcar. Além disso, nos outros setores, podem ser adotadas medidas como zerar o desmatamento com indícios de ilegalidade – compromisso assumido pelo governo brasileiro –, erradicar os lixões, gradualmente eliminar a deposição em aterros sanitários e aproveitar 50% do biogás gerado.

 

Cada molécula de metano tem potencial para aquecer o planeta 28 vezes mais do que uma molécula de dióxido de carbono (CO2) em um prazo de cem anos. Em 20 anos, o potencial de aquecimento é ainda maior: 80 vezes. Apesar disso, o metano é produzido em quantidades menores do que o CO2. Em 2020, 52 bilhões de toneladas de CO2 foram emitidas no planeta, ante 364 milhões de toneladas de metano.

 

“É uma grande oportunidade. O Brasil é um grande emissor dentro da porteira, com a fermentação entérica e as mudanças no uso da terra, onde o Brasil é o maior emissor”, diz Celso Manzatto, da Embrapa e coordenador da Plataforma ABC, que monitora as emissões de gases do efeito estufa na agricultura brasileira. “Nossa pecuária é extensiva, 75% são de baixa produtividade e responsável por 66% das emissões de metano. Daí a grande oportunidade que temos por que somos o maior rebanho comercial do mundo e temos todo interesse de não sofrer restrições de mercado.”

 

Contramão

 

Apesar do potencial para o corte de emissões e do compromisso assumido em Glasgow, o Brasil caminhou na contramão do mundo em 2020, e registrou aumento de 9,5% nas emissões de gases do efeito estufa em relação ao ano anterior. A tendência mundial naquele ano, por causa das restrições das atividades econômicas motivadas pela pandemia, foi de queda de quase 7%.

 

As causas do resultado brasileiro foram as altas no desmate da Amazônia e do Cerrado, enquanto em países desenvolvidos a redução na poluição esteve ligada a menores atividades industriais e demanda de energia. A fragilização no combate aos crimes ambientais e os constantes aumentos nos índices de desmatamento puseram o País como alvo de críticas de grupos econômicos, sociais e científicos no Brasil e no exterior.

 

Os 782 milhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas em 2020 na Amazônia pelas mudanças no uso do solo fizeram com que a floresta sozinha se transformasse em uma das maiores fontes de emissão do planeta. Se fosse um país, seria o 9.º maior emissor do mundo. Ficaria à frente, por exemplo, da Alemanha. Ao somar 113 milhões de toneladas do Cerrado, os dois biomas juntos poderiam ser o 8.º país com a maior emissão. Ou seja, no ano em que a economia brasileira teve queda de 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB), as emissões do País cresceram. A maior parte dessa poluição atmosférica, alertam especialistas, foi decorrente de uma atividade ilegal e que não gera riqueza para o Brasil.

 

O Ministério do Meio Ambiente afirma que ao lançar, em março, o Programa Metano Zero, o Brasil se tornou o primeiro País a adotar ações concretas após o Pacto de Glasgow. “O programa oferece incentivos fiscais para o reaproveitamento energético de resíduos sólidos urbanos e agrícolas provenientes, entre outros, de aterros sanitários, cana-de-açúcar, criação de aves e suínos e da indústria de laticínios.” Já o Ministério da Agricultura diz que o Plano ABC, criado em 2010 e renovado em 2021, tem o objetivo de consolidar a agropecuária como de baixa emissão de carbono.

 

Problema a ser combatido cada molécula de metano tem potencial para aquecer o planeta 28 vezes mais do que uma de CO2. (O Estado de S. Paulo/Emilio Sant’Anna)