AutoIndústria
Atuando no Sindipeças há 12 anos, o presidente Cláudio Sahad, eleito para o mandato 2022 a 2025, foi um dos principais defensores, enquanto conselheiro, de haver estrutura própria para as pequenas e médias empresas (PMEs) dentro da entidade: “Dos 500 associados, 2/3 são pequenas e médias empresas. Suas demandas são diferentes. Hoje há uma diretoria própria e um grupo de mentores, formado por executivos de peso do setor, para atendê-las”.
Em entrevista ao AutoIndústria, o proprietário da Ciamet, autopeça de pequeno porte fundada por seu pai Moysés Elias Sahad, fala das ações em curso na entidade, que preside desde 14 de março, das projeções do setor e, principalmente, dos desafios frente ao momento atual, marcado pela palavra descarbonização e a discussão do papel do Brasil rumo à eletrificação. E destaca uma lição que as montadoras de todo o mundo tiraram da crise dos chips: “O fornecedor tem de estar perto”.
Vamos falar das projeções do Sindipeças para este e o próximo ano? Por que haverá queda nos investimentos?
Nossa projeção é atingir receita líquida de R$ 178,5 bilhões este ano, com alta de 9,1% sobre 2021, e crescer outros 5,5% em 2023, para R$ 188,4 bilhões. O investimento, que chegará a R$ 2,3 bilhões em 2022, deve baixar para R$ 1,9 bilhão no ano que vem. Isso deve-se principalmente ao término dos aportes no Euro VI, que foram reforçados este ano por causa da entrada da nova legislação em janeiro próximo.
E como ficam as exportações e importações?
Nosso mercado é deficitário sistematicamente. Este ano o déficit deve chegar a US$ 11,2 bilhões, com US$ 7,4 bilhões em exportações e US$ 18,6 bilhões em importações, altas de, respectivamente, 12,6% e 9%. As importações devem cair em 2023, para US$ 16,5 bihões, e as exportações crescerem para US$ 7,7 bilhões. Mas ainda teremos déficit da ordem de US$ 8,73 bilhões.
Por que o déficit está crescendo este ano?
A principal explicação são as novas tecnologias, dentre as quais a produção de híbridos no Brasil.
E a questão dos semicondutores? Há previsão sobre quando o abastecimento será normalizado?
O problema está começando a melhorar, mas acredito que por pelo menos mais um ano a falta de chips vai continuar. A principal lição desta crise é que o mundo está começando a ver que é realmente importante ter o fornecedor por perto. Não adianta ficar dependendo de componentes que vêm do outro lado do mundo, o que, no nosso caso, é literalmente do outro lado do mundo no caso dos semicondutores. Montadoras dos Estados Unidos, Europa e até mesmo da América do Sul se arrependeram de não ter fabricação de chips.
As autopeças brasileiras têm condições de produzir chips e componentes para híbridos, incluindo baterias, aqui no Brasil. A Stellantis, por exemplo, diz estar procurando parceiros?
O fornecedor tem interesse sim, mas ele só vai investir em produção local se houver demanda concreta por parte das montadoras. Ninguém vai investir sem sinalização clara de que os híbridos, por exemplo, serão efetivamente produzidos aqui. Não dá para prever prazos nesse sentido.
A própria Anfavea vem defendendo produção de semicondutores e baterias aqui? Como o senhor vê isso?
Concordo com a Anfavea de que o Brasil tem de se inserir no contexto global e não ficar de fora das novas tecnologias. Produzir componentes hoje importados é sem dúvida uma oportunidade. Mas ao mesmo tempo pode ser uma ameaça e, por isso, é preciso tratar a questão com muita seriedade. Acredito que em 2050 teremos metade dos veículos elétricos e metade ainda a combustão. Ou seja, o Brasil pode também ser um importante produtor e fornecedor de carros à combustão. Como venho dizendo, há uma série de rotas tecnológicas e elas serão prioritárias dependendo dos recursos de cada região. Não podemos esquecer que o Brasil tem etanol, além do biogás, biometano e outros biocombustíveis.
O que o Brasil precisa para ter mais competitividade?
Há vários problemas no País ainda a serem resolvidos, como a insegurança jurídica, questões trabalhistas e tributárias, juros altos, burocracia e déficit educacional, entre outros. Do portão para dentro, somos competitivos, temos um parque industrial ávido por aumentar vendas. Mas para nos inserir na cadeia global precisamos ter mais acordos comerciais e, com isso, mais volume. Queremos crescer a produção local, porém precisamos ter o pé no chão e fazer o que está no nosso alcance. Acredito que teremos novo ciclo de parcerias, fusões e aquisições para ganhos de produtividade no setor automotivo.
Quais as iniciativas do Sindipeças pela melhoria da competitividade?
Temos o programa Inova Sindipeças, de parcerias com startups e academias, acordos de cooperação do IPT, Fapesp, Senai, Embapii e outros instituições, e o programa Indústria 4.0, de cultura e gestão da inovação, além do Rota 2030, que vem garantindo a ampliação dos investimentos do setor em P&D. Também importante citar o Instituto Sindipeças de Educação Corporativa e o Projeto Brasil Auto parts, para internacionalização do setor.
E com relação às PMEs? Como representante de uma pequena autopeça, o senhor está dando atenção especial ao segmento?
Herdei do meu pai, já falecido, não só a empresa criada por ele nos anos 1950 como também o gosto pela vida associativa. Ele foi um dos fundadores do Sindipeças, ao lado de Ramiz Gattás, para quem trabalhou antes de fundar sua própria empresa, e eu atuo na entidade desde 2010. A Ciamet produz arruelas e buchas, atendendo não só os sistemistas, mas também, de forma direta, montadoras da área de pesados, incluindo as de máquinas agrícolas. Desde que passei a frequentar o Sindipeças me pautei pela defesa das PMEs. São demandas diferentes dos sistemistas. Hoje temos uma diretoria específica e o Programa de Mentoria, criado há dois anos, que se pauta pela troca de experiência e de boas práticas de governança entre empresas e mentores.
Quem são esses mentores e como as PMEs podem acioná-los?
Antes de falar do programa vou falar da minha vivência com representante de uma empresa de pequeno porte. Muitas vezes a gente não tem com quem conversar. O dono de pequena e média empresa é muito sozinho no poder. É nesse contexto que funciona o Programa de Mentoria do Sindipeças, formado por profissionais de reconhecida experiência no círculo de conhecimento da entidade, atuantes ou não no setor de autopeças. São pessoas com capacidade e desejo de transmitir conhecimento e contribuir com outros profissionais para o crescimento mútuo, pro bono, a partir de sua experiência de vida. A lista completa está em nosso site, mas só para citar alguns tem o Dan Ioschpe, Gábor Deák, Luis Pasquotto e Mauricio Muramoto. A indicação do mentor é feita pelo comitê gestor do programa, alinhada ao perfil e às necessidades do principal executivo e da própria empresa. Tem de ser apenas uma demanda por vez. É um programa de sucesso, com excelente retorno. (AutoIndústria/Alzira Rodrigues)