O Estado de S. Paulo
Com a redução de tributos sobre combustíveis e a conta de luz, reação do governo federal à escalada de preços por causa dos choques negativos associados à pandemia e à guerra na Ucrânia, o IPCA-15, prévia do principal indicador de preços do País, teve ligeira alta de 0,13% em julho, bem abaixo do 0,69% de junho, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A desaceleração reforça a expectativa, que já está nas projeções de economistas, de IPCA negativo neste mês. Só que o alívio foi concentrado: os alimentos voltaram a ficar mais caros, com destaque para o leite e seus derivados, e os serviços preocupam economistas.
Em relatório, a equipe de economistas do banco Santander afirmou que os números sugerem que “o pior já passou” na inflação, mas alertou que o avanço nos preços de serviços no IPCA-15 de julho surpreendeu. O economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale, ponderou ainda que, apesar dos sinais positivos, a melhora de julho pode ser transitória.
“A inflação está em terreno mais tranquilo do que há dois meses. Melhorou de forma importante na margem (de um mês para o outro), mas é uma melhora transitória, às custas de uma piora à frente”, afirmou Vale.
A piora pode vir da alta na taxa de câmbio. Um dólar mais elevado já virá com a elevação dos juros nos Estados Unidos, mas a alta poderia ser turbinada caso os investidores vejam as medidas – de desoneração dos combustíveis e dos serviços de eletricidade e telecomunicações e de ampliação do valor do Auxílio Brasil – como fortes o suficiente para ampliar demais os desequilíbrios das contas do governo. Além disso, essas medidas tendem a aumentar a demanda, colocando mais lenha na fogueira da inflação, especialmente de serviços, lembrou a economista da XP Tatiana Nogueira.
Enquanto a piora mais à frente não vem, os efeitos diretos da redução de tributos já começaram a aparecer. Os preços médios de combustíveis recuaram 4,88% no IPCA-15 de julho, com destaque para a gasolina (-5,01%) e o etanol (-8,16%). Com isso, os itens do grupo Transportes recuaram 1,08%. A queda só não foi maior por causa das passagens aéreas. Em média, os bilhetes ficaram 8,13% mais caros no IPCA-15 de julho.
Conta de luz
Já a energia elétrica residencial ficou 4,61% mais barata, na média nacional. Em nota, o IBGE destacou que, em julho, “segue em vigor a bandeira verde, em que não há cobrança adicional na conta de luz” e “houve reduções de ICMS em diversas regiões”.
Se mais à frente o câmbio e os serviços preocupam, já em julho, os alívios com os combustíveis e a conta de luz são contrabalançados pelos preços dos alimentos. O grupo Alimentação e Bebidas subiu 1,16%, principal impacto de alta em julho. Os principais vilões foram o leite e seus derivados. O leite longa vida ficou 22,27% mais caro, acumulando alta de 57,42% no ano. Entre os derivados, ficaram mais caros em julho o requeijão (4,74%), a manteiga (4,25%) e o queijo (3,22%). Outros destaques de alta foram as frutas (4,03%), o feijão carioca (4,25%) e o pão francês (1,47%).
Com o alívio de preços concentrado em poucos itens, o IPCA-15 ainda mostra uma “inflação enraizada”, segundo o economista da gestora Kínitro Capital João Savignon. “Temos um quadro bastante desafiador para esse ritmo de arrefecimento da inflação. Mesmo sabendo que o pico ficou para trás, é complexo. Teve um movimento relevante (de alta) do câmbio que adiciona pressão. E a queda mais forte do desemprego vai dando sustentação a (reajustes de preços nos) serviços, com uma atividade mais forte, além das medidas do governo”, disse o economista. (O Estado de S. Paulo/Vinicius Neder, Guilherme Bianchini e Marianna Gualter)