Mercado de carros elétricos tem grande potencial de crescimento

O Estado de S. Paulo

 

Vai abastecer com álcool ou gasolina?” Nenhuma das duas opções. Essa poderá ser a resposta dos motoristas em um futuro no qual carros elétricos dominarão o mercado. Apesar de ainda ser difícil prever quando isso acontecerá, empresas do setor se mexem para que a previsão se concretize o mais brevemente possível.

 

Em abril deste ano, nove companhias anunciaram a formação da Aliança pela Mobilidade Sustentável, com a proposta de expandir o uso de carros elétricos no País e implementar melhorias de infraestrutura para o uso dos veículos. Um dos objetivos é, até 2025, aumentar a participação dos elétricos na venda de carros novos para 10% – atualmente, o índice é de 2% – e criar 10 mil estações públicas de carregamento em todo o Brasil.

 

O grupo, que conta com empresas como Caoa Cherry, Ipiranga, Movida e Raízen, é liderado pela 99, que tem suas próprias metas na iniciativa. A empresa de transporte individual pretende ter 300 automóveis elétricos em sua frota ainda em 2022, com o objetivo de chegar a 10 mil até 2025 e 100% da frota em 2030. Atualmente, 750 mil motoristas estão ativos na 99. “Sabemos que precisamos de vários agentes e setores para cooperar e trazer expertise e investimentos”, diz Thiago Hipolito, diretor de DriverLAB da 99. “O movimento que queremos acelerar é tanto ganhar escala em demanda como em infraestrutura.”

 

As projeções de expansão do uso de veículos elétricos começam a se refletir nos atuais indicadores de tendência de crescimento. Em janeiro de 2022, um balanço divulgado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostrou que os emplacamentos de carros elétricos registraram, em 2021, um crescimento de 257% em relação a 2020. Foram 2.860 veículos do tipo vendidos no ano passado, um salto significativo em relação às 801 unidades do período anterior.

 

Se os modelos híbridos forem incluídos na contagem, as cifras ganham muito mais peso. As unidades parcialmente elétricas – que combinam um motor movido a eletricidade com outro a combustível fóssil – contaram com 32 mil emplacamentos em 2021, fazendo com que, no ano passado, a eletrificação veicular no Brasil tenha atingido cerca de 35 mil veículos comercializados. A frota brasileira é de 59 milhões de carros.

 

“Veremos cada vez mais o crescimento. O mundo vai mais que dobrar a venda de veículos elétricos este ano e prevemos ter cerca de 100 mil modelos (híbridos ou totalmente elétricos) nas ruas do Brasil nos próximos meses”, afirma Adalberto Maluf, diretor de Marketing e Sustentabilidade da BYD Brasil.

 

Incentivos públicos

 

No Brasil, esse mercado conta com benefícios tributários específicos. Em 2015, a alíquota de importação de carros totalmente elétricos foi zerada. A partir de 2018, o IPI foi reduzido de 25% para até 7%. Os números, apesar de expressivos, ainda trazem pouco alívio para o bolso dos consumidores, que desembolsam valores em torno de R$ 140 mil na aquisição dos modelos mais baratos.

 

No âmbito político, em março, foi criada a Frente Parlamentar Mista pela Eletromobilidade, no Senado Federal. O grupo reúne senadores e deputados federais em torno da defesa de políticas de energia renovável e mobilidade elétrica.

 

“Uma articulação do poder público e uma sinalização de que não vão atrapalhar já ajuda. Se forem colocados bônus, como para trocas de um carro a combustão por um elétrico, e forem retiradas sobretaxas tributárias, ajudaria muito mesmo”, comenta Carlos Motta, CEO da Kers Tecnologia em Mobilidade Sustentável.

 

Sustentabilidade

 

Um dos pilares do incentivo à expansão do mercado de veículos elétricos é a sustentabilidade. Estima-se que os modelos produzam um terço das emissões de um carro movido a combustível fóssil, como aponta estudo publicado este ano pela Universidade de Michigan e pela Ford. Entretanto, as emissões ainda fazem parte da cadeia produtiva, em atividades como a mineração para fornecimento de matéria-prima e os processos de produção.

 

Em relação à eficiência energética, os veículos elétricos levam grande vantagem em relação aos tipos tradicionais. “Um veículo com motor a combustão interna, com 15 mil itens, tem 25% de eficiência. Nos motores elétricos, vemos uma eficiência de 95%”, comenta Motta, da Kers.

 

Os modelos elétricos também otimizam a obtenção de energia aproveitando processos como as frenagens. Por meio de freios regenerativos, parte da energia cinética do automóvel é transformada em eletricidade, que pode ser armazenada na bateria e auxiliar a alimentação de acessórios ou a própria aceleração.

 

Mas, em meio a frequentes situações de crise energética, o aumento da circulação de carros elétricos pode representar uma sobrecarga na rede? Para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) a resposta é não. A entidade prevê que, em 2035, 62% das vendas de veículos no Brasil sejam de modelos elétricos e que isso exigirá um incremento de apenas 1,5% na geração de energia elétrica nacional.

 

Há perspectivas até mesmo de os carros elétricos proporcionarem melhor aproveitamento da rede energética. Ao terem as baterias carregadas durante a noite, período no qual as redes estão mais ociosas e a energia é mais barata, os veículos têm a capacidade de devolver a energia durante o dia, conectados a terminais em estacionamentos, por exemplo.

 

No futuro, com a adoção massiva desses automóveis, seria possível até aliviar os momentos de pico e, assim, diminuir problemas como o racionamento. “Poderíamos ter pulmões de energia rodando com os carros, o que pode contribuir para novos negócios nesse ecossistema”, acredita André Iasi, CEO da Estapar.

 

Eletrificação e etanol são caminhos para a mobilidade sustentável

 

Como tornar o automóvel um aliado da sustentabilidade? Em busca de respostas, o poder público traça metas de redução de carbono e montadoras apostam em tecnologias que melhorem a eficiência dos veículos.

 

Em abril, foi lançado pelo governo federal o programa Combustível do Futuro, que visa a ampliar a participação de combustíveis renováveis e de baixo teor de emissões, bem como desenvolver tecnologias veiculares nacionais.

 

“O Brasil não pode ficar fora da transição que está acontecendo com a eletrificação. Pensar a melhor maneira de combinar o uso do etanol com a eletrificação e promover essa descarbonização é estar no jogo da mobilidade mundial”, afirma João Irineu Medeiros, diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance de Produto para a América do Sul da empresa Stellantis.

 

Em relação aos avanços tecnológicos, ganha força o conceito de carro conectado. Por meio de recursos eletrônicos e digitais, eles se comunicam com servidores que auxiliam em funções como a elaboração de diagnósticos sobre as condições dos automóveis – o que evita, por exemplo, desperdício de combustível.

 

“Com os carros conectados em nuvem, temos acesso a um leque de oportunidades que não tem limite”, avalia Medeiros.

 

Os desafios do segmento

 

Preço: os valores ainda são bastante salgados para os consumidores. Os modelos mais baratos estão na faixa de R$ 140 mil e há opções de luxo que ultrapassam os R$ 500 mil.

 

Abastecimento: encontrar pontos de recarga não é tarefa fácil. Conforme dados da Associação Brasileira de Veículo Elétrico (ABVE), há 1.250 pontos desse tipo disponíveis pelo País, e 47% deles estão em São Paulo.

 

Produção: a produção nacional de carros elétricos é incipiente, com boa parte dos componentes sendo importada. As altas taxas tributárias também desestimulam investimentos para parques industriais voltados aos veículos elétricos.

 

Mão de obra: faltam especialistas tanto na engenharia de produção quanto na manutenção de carros elétricos. Reparos feitos sem o devido conhecimento em peças como baterias podem gerar risco de acidente. (O Estado de S. Paulo)