O Estado de S. Paulo
Em apenas dois meses, a prioridade energética do mundo mudou. Petróleo e gás natural deixaram de ser de objetos de transição energética imediata para fontes de energia limpa e passaram a ser matéria de segurança energética.
Nesta quarta-feira, a União Europeia anunciou planos a serem executados em seis meses para embargar o petróleo e o gás da Rússia e, em até um ano, os produtos refinados. A decisão deverá ser ratificada pelos governos do bloco em alguns dias. E, nesta quinta-feira, Lituânia e Polônia inauguraram gasoduto de 500 km destinado a cortar fornecimentos de gás da Rússia.
Antes da guerra, nada menos que 27% do petróleo e 40% do gás natural queimados na União Europeia eram de origem russa. Essa forte dependência se tornou questão delicada de segurança para a União Europeia porque a Rússia mostrou que não é fornecedor confiável. Passou não só a usar petróleo e gás como arma como, também, passou a usar instrumentos de pagamento para fazer chantagem, na medida em que exige pagamento em rublos para driblar as sanções econômicas que enfrenta.
A decisão da União Europeia e de outros países vizinhos tem altíssimo custo. Vai encarecer seu suprimento energético e exigir mais sacrifícios da população para economizar energia. Ficou inevitável certa queda do PIB de toda a região – o que produzirá impacto sobre toda a economia global. É mais um fator que tende a puxar para cima a inflação mundial.
O pressuposto é o de que essa radicalização das sanções ficará ainda mais insuportável para a Rússia, de Vladimir Putin, que faturou em torno de US$ 120 bilhões em 2021 com a venda desses produtos.
Os ambientalistas radicais já começaram a protestar porque entenderam que foram subvertidos os já avançados cronogramas de substituição da energia fóssil por fontes renováveis. E, também, porque essa decisão obriga os governos da área a trazer de volta fontes poluidoras, como o carvão mineral, ou perigosas, como as usinas nucleares.
Alguém poderia imaginar que essa inversão de prioridades seja temporária, a funcionar apenas enquanto durar a guerra na Ucrânia. No entanto, a percepção mais importante é a de que a excessiva dependência de fornecimento de petróleo e gás da Rússia, o terceiro maior produtor mundial, é obstáculo estratégico de força maior. As receitas com petróleo e gás estão sendo usadas pela Rússia para financiar a expansão de território e, portanto, para ameaçar a soberania de países europeus. E este é fator que tende a tornar permanente a política de redução da dependência energética.
Outra consequência da decisão tomada será o aumento dos investimentos em petróleo e gás em outros países, especialmente nos Estados Unidos. O Brasil pode ser beneficiado com essa diversificação desde que aproveite a oportunidade. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)