Infração acima de 10% entra no radar

O Estado de S. Paulo

 

A possibilidade de o Brasil registrar uma inflação acima de 10% em 2022, pelo segundo ano seguido (em 2021, o IPCA foi a 10,06%), entrou no radar dos economistas. A previsão vem crescendo em meio a impactos da guerra na Ucrânia, dúvidas sobre o efeito da política de “covid zero” da China nas cadeias produtivas, aumento dos juros nos Estados Unidos e disseminação das altas de preços no Brasil. O cenário eleitoral aparece como fator de pressão adicional.

 

Se isso acontecer, será a primeira vez, desde o início do Plano Real, que o País terá inflação de dois dígitos por dois anos seguidos. Com esse cenário, a taxa de juros básica, elevada pelo Banco Central (BC) anteontem para 12,75% ao ano, teria provavelmente de subir acima dos patamares hoje projetados e se manter alta por mais tempo. E começam a voltar os temores de inércia inflacionária e indexação, “doenças” da época da hiperinflação em que as altas de preços passadas se refletiam nos preços futuros e mantinham a inflação em alta.

 

O banco BNP Paribas foi o primeiro a elevar, oficialmente, a projeção de IPCA em 2022 para 10% – o dobro do teto da meta. “Esperamos pressão dos mesmos setores, mas com impacto mais forte e duradouro”, escreveram em relatório Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do BNP, e Laiz Carvalho, economista para Brasil da instituição. Já a projeção do BNP Paribas para o IPCA fechado em 2023 subiu de 4,5% para 5% (o teto da meta no ano que vem é de 4,75%).

 

Segundo Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, a probabilidade de o IPCA atingir dois dígitos em 2022 aumentou de 10% para 30% nos últimos dois meses. “Há alguns meses, imaginávamos que essa inflação mais elevada tinha a mesma característica da de 2021. Hoje, vemos uma situação diferente, com espalhamento preocupante e núcleos afetados, sem a evolução esperada para os itens que o BC tem maior condição de controlar”, diz. “Nossa expectativa para o IPCA 2022 está em 8,4%, mas pode chegar a um patamar até mais elevado que o de 2021. É uma possibilidade que não é remota.”

 

João Fernandes, economista da Quantitas, elevou a projeção de IPCA de 2022 de 8,8% para 9% e alertou que os riscos ainda são para cima. Um novo reajuste dos combustíveis por parte da Petrobras, por exemplo, adicionaria até 0,2 ponto porcentual à estimativa.

 

O governo anunciou em março uma estimativa de 6,55% para o IPCA no ano. Esse dado será atualizado neste mês.

 

Alimentos

 

Segundo o BNP, a principal pressão virá de alimentos, que devem ter a maior variação de preços em 2022, de 17%. O banco estima ainda impactos do petróleo, de problemas na cadeia de suprimentos mundial e da expectativa de aceleração da atividade de serviços no Brasil.

 

Na XP Investimentos, as projeções para o IPCA são de 7,4%, para 2022, e de 4% para 2023, mas o economista-chefe, Caio Megale, admite que uma taxa de 9% neste ano é um cenário bastante plausível, mesmo com a previsão de a Selic chegar a 13,75% em junho.

 

Megale cita riscos na projeção de preços de alimentos, de serviços (sustentados pela reabertura econômica e por programas de antecipação de renda do governo), no setor industrial (com os lockdowns na China) e em preços administrados (com os reajustes anuais nas distribuidoras rodando em torno de 20%).

 

“Precisamos fazer um Plano Safra 2022/2023 que condiga com a realidade do Brasil e já começamos um pouco atrasados.”

 

À frente do Ministério da Agricultura há pouco mais de um mês e com tempo escasso para entregar o Plano Safra 2022/23, até junho, Marcos Montes se diz “animado” para fazer algo “robusto”, ainda que “dentro do possível”. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Montes, que antes era secretário executivo da ex-ministra Tereza Cristina (que saiu para concorrer às eleições), disse que pretende manter as taxas de juros “abaixo da casa dos dois dígitos” e que, entre manter as taxas baixas (atendendo um número menor de produtores) e ter taxas “um pouco mais ardidas” (e suprir um número maior de agricultores), prefere a segunda opção. Segundo Montes, o abastecimento de fertilizantes ainda preocupa, embora em menor escala. A pasta continuará trabalhando em duas frentes: importar mais adubos e estimular a produção interna. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

O Orçamento de 2022 não prevê recursos para a equalização de taxas de juros do Plano Safra 2022/23. De onde poderá sair o dinheiro?

 

O Plano Safra 2022/23 é o assunto mais delicado para nós hoje. A discussão sobre a equalização parte do valor que trabalhamos no Plano Safra passado, em torno de R$ 13 bilhões. Em cima disso, temos de jogar o diferencial de juros do ano passado para este, de 3% a 3,75% ao ano para 12%. E tem também os custos da produção, que aumentaram muito.

 

A OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) diz que, para oferecer o mesmo montante do ano passado, com correção e aumento da Selic, seriam necessários cerca de R$ 19 bilhões. O sr. vê de onde poderia remanejar o dinheiro?

 

A Economia vai ter de se movimentar para buscar. Precisamos fazer um Plano Safra que condiga com a realidade do Brasil, e já começamos um pouco atrasados. Falamos com o presidente da República, e ele tem pedido que isso seja quase que prioridade na Economia.

 

O aumento das taxas de juros do Plano Safra é dado como certo? O ministério avalia fazer aumento maior para os grandes produtores?

 

Essa discussão terá de ser muito madura. O juro muito baixo vai fazer com que os recursos sejam menores, e atenderíamos menos gente. Os juros um pouco mais ardidos ampliariam os empréstimos. Hoje, quando o produtor vai captar em qualquer ente privado, a taxa bate em 16%, 17%, até 20% ao ano. Vou trabalhar para que as taxas fiquem abaixo da casa de dois dígitos.

 

Ainda há preocupação do governo com o abastecimento de fertilizantes?

 

Estamos preocupados, mas estivemos mais preocupados há um mês. O fluxo (de embarques russos) está normal e estamos abrindo mercados. Estou indo para a Jordânia, o Egito e o Marrocos para falar de fertilizantes.

 

Além do Canadá, já visitado, e dos países árabes que receberão a comitiva brasileira, há algum outro país em vista com potencial de ampliar a exportação de fertilizantes para cá? A China está no radar?

 

A ex-ministra Tereza Cristina esteve no Irã também, que tem grande potencial de nitrogenados. Estamos fazendo prospecção no Chile. Tudo está no radar. Como se criou um núcleo de fertilizantes, para a formação do Plano Nacional de Fertilizantes, tudo passa por um grande estudo do grupo, e seguimos essa linha estabelecida tanto na produção interna quanto na busca lá fora.

 

Em relação à China, recentemente houve suspensão de habilitações de frigoríficos brasileiros. A ex-ministra Tereza Cristina vinha falando das tratativas de retomada das habilitações para cerca de 50 novas plantas. Na avaliação do sr., o que está por trás da decisão da China?

 

Temos hoje quase 100 plantas habilitadas para a China. Algumas foram desabilitadas, sujeitas a verificações e auditorias. Acho que vamos crescer nas nossas exportações para a China e temos plantas preparadas e já auditadas. Temos uma lista que totaliza 79 novas plantas em três novas etapas, nas quais estamos trabalhando para que sejam habilitadas. Sobre as desabilitadas, temos de entender o momento que a China está vivendo. (Os chineses) estão extremamente preocupados com a onda de covid-19, e precisamos respeitar. Todas essas plantas desabilitadas são casos em que foram encontrados traços de RNA de vírus nas embalagens das carnes enviadas. É excesso de zelo? Não, é a filosofia deles. As desabilitações são em porcentual pequeno perto do número de plantas que temos e do crescimento que tivemos. Com o consumo lá aumentando, eles vão precisar dos nossos produtos e o Brasil está preparado para poder exportar ainda mais.

 

Sobre a inflação dos alimentos, dentro do que compete ao ministério, o que pode ser feito? As ações passam por restrição a exportações para garantir abastecimento interno?

 

Custamos a sair (da posição) de um país importador de alimentos para exportador. Acredito ser opinião de todo o setor e do governo que isso (restringir exportação) jamais acontecerá. Outro ponto é que exportamos em média de 20% a 25% de tudo que produzimos, e o restante fica para consumo interno. Temos é de estimular a produção. Quanto mais produzirmos, mais vamos combater a fome no mundo e internamente. Nossa produção está crescendo. Apesar de tudo que estamos passando, acho que o agro ainda será por muito tempo a locomotiva da agricultura brasileira. (O Estado de S. Paulo/Maria Regina Silva, Cícero Cotrim, Guilherme Bianchini e Thaís Barcellos)