Como o Brasil pode lucrar com a crise

O Estado de S. Paulo

 

Anova disparada do dólar, conjugada com a derrubada dos preços das ações na Bolsa (veja o gráfico), ajudou a firmar a percepção de que a economia brasileira deve passar por certas turbulências. Mas nem tudo aponta para fatores negativos nestes oito meses seguintes de 2022.

 

A inflação global se mostra mais forte e mais espalhada do que os analistas e os grandes bancos centrais previam. E o Brasil carrega boa parte dessa carga, como a prévia da inflação de abril mostrou: evolução mensal do IPCA-15 de 1,73%, mais baixa do que a esperada, mas agravada pela forte difusão em 79% dos itens da cesta de consumo. É a maior alta para o mês de abril em 27 anos. O IPCA-15 acumula avanço de 4,3% no ano; e de 12,05% em 12 meses.

 

Alguns dos grandes bancos centrais já anunciaram novo choque dos juros – que tenderá a frear a atividade econômica nos países de ponta. No Brasil, o Comitê de Política Monetária se reúne na próxima semana para definir o novo patamar dos juros básicos (Selic), atualmente em 11,75% ao ano.

 

A guerra na Ucrânia agravou o rompimento das cadeias de produção e distribuição que vinham se recompondo do impacto produzido pela pandemia. A nova onda de covid-19 que atinge a China e levou seu governo a decretar medidas de isolamento social, quarentena e recesso da atividade econômica começa a acentuar esse rompimento. A crise no suprimento de energia tende a se agravar, porque a Rússia suspendeu o suprimento de gás para a Polônia e para a Bulgária.

 

Ainda assim, o Brasil pode ser beneficiado. A alta das commodities, especialmente a dos alimentos e a de petróleo, deve continuar, fator que mantém aquecida a balança comercial brasileira e garante aumento de renda para o agronegócio e para o setor de energia.

 

As novas dificuldades da China com sua economia e, mais do que isso, o agravamento das suas relações com os Estados Unidos devem levar os grandes investidores a redirecionar o envio de capitais para países em desenvolvimento que não oferecem grandes riscos geopolíticos. O que fazer com essa sobra de recursos? O Brasil pode ser favorecido.

 

Essas vantagens relativas do Brasil enfrentam dois obstáculos. O primeiro é a estagnação da economia brasileira. Nenhum pré-candidato à Presidência da República mostrou como tirará o País da pasmaceira.

 

Outro é a tendência global ao protecionismo comercial, que poderá prejudicar ainda mais as exportações de manufaturados.

 

E, não menos importante, há a questão eleitoral. Ainda não se tem claro até que ponto as atuais regras do jogo econômico serão respeitadas pelo governo que tomará posse em janeiro. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)