O Estado de S. Paulo
Uma grande revolução econômica, principalmente do ponto de vista energético, está prestes a ocorrer. Países responsáveis por 70,6% do PIB global se comprometeram a zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050, em uma tentativa de cumprir o Acordo de Paris, ou seja, deter o aumento de temperatura do planeta. Governos em todo o mundo, sobretudo de países ricos, estão criando subsídios para viabilizar essa transformação. O caminho até lá tem incontáveis obstáculos e, ainda assim, a pressão para que ele seja trilhado rapidamente deve aumentar, dado que a mudança climática ganhou maior relevância com a pandemia da covid-19 e cientistas têm afirmado que o prazo de 2050 pode ser longo demais para evitar catástrofes.
A Agência Internacional de Energia traçou um plano para que o mundo se descarbonize nos próximos 30 anos. São mais de 400 itens na lista de mudanças que precisam ser feitas, além da necessidade de um aumento para US$ 4 trilhões no investimento anual global em energia limpa – hoje, esse montante é um pouco superior a US$ 1 trilhão.
Do lado dos países, ainda falta estratégia. Apesar de 135 já terem anunciado que pretendem neutralizar as emissões de carbono, apenas 23 deles publicaram o plano para alcançar a meta – outros dois (Butão e Suriname) já a atingiram.
Apesar da ausência de um plano bem elaborado na maioria dos países, a consultora Gabriela Werneck, sócia da Bain & Company, diz acreditar ser possível atingir a meta pretendida. “Mas o desafio será grande. Tem de ter cooperação internacional, além de consumidores, empresas e governos dispostos. Em alguns setores da economia, isso vai ser disruptivo e talvez se passe a pensar em uma nova linha de negócios ou em uma nova fonte de receita para as empresas.”
No setor de transportes, por exemplo, além da eletricidade, o hidrogênio verde e os biocombustíveis que ainda estão sendo estudados devem fazer uma revolução. O petróleo, no entanto, poderá ficar para trás. Já na pecuária, é preciso desenvolver tecnologias que reduzam a emissão de gases pelo gado (nesse caso, não o gás carbônico, mas o metano, também responsável pelo efeito estufa). E no de energia, dezenas de países precisarão abandonar o carvão – cuja demanda paradoxalmente aumentou nas últimas semanas – e buscar fontes como a eólica e a solar.
Os desafios à frente são gigantes, mas também as oportunidades, sobretudo para aqueles – países e empresas – que se mexerem primeiro, lembra o também consultor Jorge Hargrave, diretor do Boston Consulting Group (BCG). “Sempre que você é o primeiro a aderir a uma tendência, você desfruta de uma posição competitiva favorável nos primeiros anos e de taxas de lucro acima do normal.”
Entre as oportunidades que surgirão com a transformação energética, Hargrave destaca o aumento da demanda por PET reciclável (deve crescer 45% até 2025) e por materiais usados na fabricação de baterias, como lítio, níquel e cobre. Quem investir nesses segmentos, deve ter venda assegurada no futuro. Por outro lado, os que necessitam dessas matérias-primas precisam garantir suprimento agora, com contratos de longo prazo, pois a oferta não será suficiente para atender a demanda nos primeiros anos dessa transformação.
Uma outra possível saída para as companhias é fazer parcerias e trabalhar no desenvolvimento conjunto para garantir acesso aos novos produtos. Já para os países, a velha fórmula – agregar valor – continua atual. “É importante olhar para esses itens que terão escassez e analisar a cadeia de valor que pode ser construída ao redor deles”, afirma Hargrave. Ou seja, ao invés de apenas fornecer lítio e cobre para fabricantes de baterias, por que não ter fábricas do produto no País? Ou criar uma bateria que seja produzida a partir de algum outro mineral?
O consultor Vicente Assis, sócio da McKinsey, lembra, porém, que toda essa transformação econômica dependerá também de decisões governamentais. Para se tornar carbono neutro, o Brasil vai desestimular a produção de petróleo – que gera royalties para alguns municípios? Vai incentivar a indústria de biocombustível local? Vai dar preferência a importação de painéis solares chineses? “Existe um preço que você paga para mudar de um lado para outro”, diz Assis.
A menos de duas semanas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, que acontecerá entre 31 de outubro e 12 de novembro na Escócia, o Estadão inicia a publicação de uma série de reportagens sobre os temas que estarão no centro dos debates que ocorrerão lá e sobre o caminho que precisará ser percorrido para se chegar a uma economia verde, em que a emissão líquida de carbono é zero. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz, Giordanna Neves, Gustavo Lustosa e Sofia Hermoso)