O Estado de S. Paulo
A prática do veganismo na vida das pessoas vai muito além da alimentação. Atualmente, a opção de se abster do consumo de produtos de origem animal começa a se estender a outras áreas, como a indústria automotiva. As montadoras já estão substituindo produtos oriundos dos animais por materiais sustentáveis no acabamento dos veículos, atendendo a uma exigência que ganha força entre os clientes.
Ainda não existem automóveis 100% veganos, porque lã e couro continuam sendo muito utilizados na indústria. Mas a mudança de mentalidade acontece aos poucos, com as marcas buscando materiais que substituam os de origem animal, como garrafas PET, fibras de bambu e raiz de cogumelos.
“Sempre pensamos em maneiras de unir qualidade e sustentabilidade”, afirma Evandro Bastos, gerente de produto da Mercedes-Benz do Brasil. “Antes, era impossível manter o mesmo padrão de acabamento sem os artigos de origem animal ou extraídos do petróleo.”
Embora seja lenta e gradual, a adoção de materiais de fontes renováveis nos carros não é tão recente. Segundo Bastos, em 1999, o Mercedes Classe A usava fibra de coco de um fornecedor da Paraíba para rechear o encosto de cabeça e o para-sol.
Mais de duas décadas depois, a fabricante alemã lançou o SUV elétrico EQC, que emprega borrachas naturais e 12 garrafas PET para revestir o banco. “Além de mais amigáveis ao meio ambiente, esses materiais deixam os carros cerca de 50 quilos mais leves”, diz Bastos.
Material das florestas
A Mercedes-Benz tem parcerias com empresas encarregadas de retirar de oceanos e aterros sanitários grandes quantidades de resíduos que, uma vez processados, viram matéria-prima usada no acabamento dos automóveis. “O plano Ambition 2039 prevê que toda a cadeia produtiva da Mercedes será neutra em carbono”, revela Bastos. Para ele, futuramente, os carros serão vendidos com um selo verde, identificando se são veganos ou não, tal qual produtos nas gôndolas dos supermercados.
Outras montadoras também estão abraçando a causa vegana. A Volvo já anunciou que seus automóveis elétricos deixarão de usar couro de origem animal. O primeiro deles é o recém-lançado C40. Em nove anos, todos os carros estarão livres desse tipo de revestimento. Assim, no lugar do couro, a marca sueca terá como alternativa materiais sustentáveis feitos de fontes naturais e recicladas.
Ela também criou um revestimento para interiores composto de fibras têxteis, material de florestas sustentáveis da Suécia e Finlândia e rolhas recicladas da indústria vinícola. O objetivo da montadora é se tornar, até 2040, uma empresa de economia circular, que busca reaproveitar ao máximo os produtos.
Os estudos da Volvo começaram há alguns anos. Em 2018, ela apresentou uma versão híbrida do XC60, com vários componentes plásticos substituídos por materiais reciclados. No interior, o console era de fibras renováveis, plásticos de redes de pesca descartadas e cordas marítimas. No chão, o tapete foi confeccionado por fibras feitas de garrafas PET e uma mistura de algodão extraído das sobras de confecções.
Revestimento têxtil
A Renault começou a abandonar o couro animal em 2015, e, atualmente, nenhum veículo fabricado no Brasil usa esse material. Na Europa, o novo Mégane E-Tech possui revestimentos têxteis 100% reciclados. Componentes visíveis (parte inferior do cockpit) e não visíveis (estrutura do painel) são de plásticos reciclados. No fim do seu ciclo de vida, 95% do veículo poderá ser reaproveitado.
Na BMW, o estofamento Sensatec – mistura reciclada de lã e materiais tingidos com corantes vegetais – é oferecido em alguns modelos. Já o i3 EV usa couro curtido com extrato natural de folha de oliveira, que normalmente é um resíduo.
Antigamente, a Jaguar se orgulhava de usar, nos bancos e no painel das portas, o couro do gado cuidado em pastagem sem cerca de arame farpado para não ferir a pele do animal. Mas os tempos são outros e, hoje, ela dispõe do tecido chamado de Kvadrat, uma camurça altamente durável e desenvolvida com base em 50 garrafas recicladas.
Cliente 100% vegano
Materiais livres de origem animal estão se tornando uma condição mandatória para consumidores veganos na compra de um automóvel. O empresário Elvio Nigro Júnior, 48 anos, dono de uma fábrica de feltros e cobertores recicláveis, comprou um Volkswagen Jetta 2019, mas, antes, queria ter certeza absoluta de que os bancos do sedã eram de couro sintético.
Para ter essa garantia, colocou o vendedor contra a parede. “Fiz o atendente me prometer que o carro não tinha acabamento de couro animal. Caso contrário, eu não compraria”, afirma.
Nigro deixou de comer carne vermelha em 2002 e, ao longo do tempo, foi passando pelo processo de reduzir o consumo de qualquer produto de origem animal, até se tornar completamente vegano. “Hoje, uso sapatos, cintos, sabonetes e xampus veganos. Minha filosofia de vida é de total respeito aos animais e à natureza”, afirma. (O Estado de S. Paulo/Mário Sérgio Venditti)