O Estado de S. Paulo/Especial Mobilidade Insights
A cadeia de produção e distribuição de veículos pelo mundo vai demorar a se restabelecer. De acordo com o CEO da Bright Consulting, Paulo Cardamone, o problema não se resume à falta de semicondutores, que atingiu duramente a indústria automotiva no ano passado, mas também a diversos suprimentos.
Como se isso não bastasse, há adicionalmente um desajuste da cadeia logística. A indústria como um todo sofreu um baque pesadíssimo em termos de suprimentos. Além disso, hoje tem produto em um lugar, contêiner em outro e navio em outro”, diz. Cardamone afirma que a logística será um desafio global, que deve demorar para se reorganizar.
Em 2021, foram vendidos mundialmente 75,5 milhões de veículos leves. Antes do início da pandemia, o executivo informou que a previsão era alcançar 100 milhões.
Para comparação – segundo levantamento da IHS Markit e da Boston Consulting Group divulgado pela Anfavea –, em 2017 o segmento já havia registrado 95 milhões de unidades. A partir daí, houve um pequeno declínio para 94 milhões em 2018 e 89 milhões em 2019, antes do tombo para 74,6 milhões em 2020, uma retração de 16%, já sob efeito da pandemia. Agora, a previsão é de retomada moderada, de cerca de 6% este ano. Assim, a perspectiva é que o segmento de veículos leves feche o ano com aproximadamente 79 milhões.
Afora os desafios logísticos que prejudicam o setor de transporte, Cardamone informa que há escassez de matérias-primas como plástico e borracha, por exemplo. “Não é só semicondutor que está faltando. São vários materiais, o que provoca interrupções constantes na produção.”
Preços altos
Embora haja demanda por parte do comprador, Cardamone avalia que a recuperação será lenta e a falta de carro deverá persistir no mundo todo. “Os estoques de carros no mundo acabaram e vai demorar para que sejam repostos.” Como resultado desse processo, que segundo ele tende a se prolongar por até 18 meses, os preços vão continuar subindo. “Até nos Estados Unidos os preços subiram muito”, diz o especialista.
Contra uma inflação de cerca de 7% no país, Cardamone informa que os automóveis tiveram reajuste médio de 17% no ano passado. Para este ano, ele ainda prevê que nos EUA haverá impacto nos preços, embora “em um nível muito menor”. A falta de componentes faz com que haja demanda sem oferta, e o preço sobe. De acordo com ele, no Brasil ocorreu a mesma coisa, e os preços “foram para a estratosfera.”
Tudo isso, no entanto, ainda não leva em conta a possibilidade de um conflito armado entre Rússia e Ucrânia. Se vier a guerra, será mais um problema sério, mais um desafio, porque mexe com o preço do petróleo, afeta o mundo inteiro.
Pesados
O segmento de pesados teve um comportamento diferente do que se viu entre os automóveis leves. Embora o setor também tenha sido afetado pela pandemia, a queda foi menor, e ocorreu em momentos diferentes, dependendo do país. Por isso, quando se analisa o número total, a impressão é que o baque foi menor entre ônibus e caminhões.
De acordo com o diretor da Power Systems Research para a América do Sul, Carlos Briganti, para compreender melhor o setor mundial é preciso voltar aos números de 2019, antes da pandemia. Nesse ano, foram vendidos no mundo inteiro 3,59 milhões de unidades.
Em 2020, já sob impacto da pandemia, as vendas caíram no mundo inteiro, mas a China, sozinha, impediu que a queda mundial fosse maior. A razão é que nesse ano entrou em vigor no país asiático uma nova norma relativa a emissões, equivalente à Euro 6. Com a renovação de parte da frota, a mudança resultou em crescimento das vendas no país, que subiu de 1,33 milhão para 1,77 milhão em plena pandemia, compensando a depressão global. Assim, graças à China, que respondeu pela metade do mercado mundial em 2020, o ano fechou com a venda total no mundo de 3,45 milhões.
No ano passado, o segmento registrou recuperação em praticamente o mundo todo, mas, desta vez, a China caiu um pouco. Assim, o ano voltou a fechar com 3,45 milhões.
Para 2022, o diretor da Power Systems Research prevê que o setor deverá encerrar na faixa de 3,6 milhões de unidades, com melhora gradual em todos os continentes. Se a expectativa se confirmar, o segmento retornará aos níveis pré-pandemia, o que ainda não se prevê com o segmento dos veículos leves.
Menos chips
Uma das razões para essa maior resiliência, na opinião de Briganti, é que os veículos pesados são menos dependentes de semicondutores. “Um veículo comercial tem mais ou menos 250, 300 chips, enquanto um SUV é equipado com aproximadamente 650 chips”, compara. Assim, a dependência em relação aos fornecedores é menor nesse quesito.
De acordo com o executivo, o número maior de chips em automóveis pode ser explicado pela oferta superior de itens relacionados a conforto e opções de entretenimento. “Um SUV pode ter até sete versões, que são diferenciadas pela quantidade na oferta de chips”, diz. “Enquanto isso, os caminhões tendem a se diferenciar pela composição de eixos e capacidade de carga, que não envolve chips”, compara.
Outra razão de o impacto ser menor está diretamente relacionada ao volume de produção. “Enquanto o Brasil tem 25 montadoras de veículos leves, no caso de comerciais são seis”, afirma. “Estamos falando de um mercado de leves da ordem de 2,5 milhões de unidades, enquanto o de caminhões e ônibus é de erca de 200 mil unidades. Então, o impacto é menor.”
Ônibus
Dentro do segmento de pesados, as vendas de ônibus estão tendo uma recuperação rápida, acelerada pela diminuição gradual da necessidade de distanciamento social. Dessa forma, está ocorrendo o retorno do uso de transportes coletivos no mundo, seja para uso urbano, seja rodoviário.
De acordo com Briganti, com a pandemia as vendas de coletivos, que tradicionalmente representam 20% do total, recuaram para cerca de 14%. Porém, agora já estão voltando ao patamar dos 20%. (O Estado de S. Paulo/Especial Mobilidade Insights/Airton Ponciano)