Muito além do poder aquisitivo: o que falta para o carro elétrico ganhar o Brasil

CNN Brasil Business

 

O mercado mundial de carros elétricos está com o pé no acelerador – e parece que de lá não vai tirar tão cedo.

 

Só no ano passado, as vendas de veículos eletrificados (EVs, na sigla em inglês), entre híbridos e aqueles totalmente movidos à bateria, alcançaram a casa de 6,2 milhões de unidades ao redor do mundo, segundo dados da agência de estatísticas S&P Global Platts Analytics.

 

Isso representa 9% das vendas de automóveis globalmente, e a modalidade segue em trajetória ascendente: há apenas dois anos, a marca estava abaixo dos 3%.

 

Por aqui no Brasil, o cenário ainda caminha um pouco mais devagar. Diferentemente de mercados consolidados, como China, Estados Unidos e Noruega, os EVs não caíram no gosto do brasileiro como poderiam.

 

Segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), o país atualmente tem uma frota eletrificada de 77.259 veículos em circulação. Destes, quase metade é referente ao ano passado, na marca de 34.990 vendidos entre janeiro e dezembro.

 

“A eletromobilidade já é uma realidade inexorável e irreversível, no Brasil e no mundo”, disse o vice-presidente de Veículos Leves da ABVE à CNN, Pedro Bentancourt. “Os dados indicam que o nosso mercado está acelerando, especialmente entre os que têm maior poder aquisitivo.”

 

Não é para menos: hoje, o modelo mais acessível de EV é o E-JS1, da JAC em parceria com a Volkswagen, que beira os R$ 149.900. Em meio à crise de escassez de peças e chips, o valor do pequeno hatch equivale a um sedã médio movido à combustão.

 

Por enquanto, só para quem pode

 

Na visão de especialistas, o motivo para um piso tão alto reside em um tripé de fatores: falta de incentivos governamentais, dólar alto e preço de fabricação, especialmente encarecido pela escassez mundial de chips semicondutores.

 

“O Brasil, ao contrário de China, Estados Unidos e Europa Ocidental, não tem se desenvolvido com tanta velocidade, porque, lá fora, a eletrificação de automóveis é fortemente impulsionada por governos. Aqui, temos outras prioridades enquanto Estado, e nossos políticos não julgaram que a eletrificação era um fenômeno a ser estimulado no passado”, explica Bentancourt.

 

É um cenário que tem mudado. Segundo Eduardo de Souza, diretor de Infraestrutura da ABVE e CEO da Electric Mobility Brasil, os impostos de importação para os EVs estão zerados e já existe uma redução no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

 

“Mas o Brasil ainda pode fazer mais na questão tributária, nomeadamente no IPI e no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)”, disse.

 

“A grande questão é o incentivo. O Brasil pode e deve incentivar a aquisição de veículos a partir da redução de impostos para empresas e da isenção de impostos do próprio veículo, e até mesmo patrocinar um valor ao consumidor para a compra. Isso existe de uma forma muito estruturada na Europa e nos Estados Unidos.”

 

Segundo a Associação, já existem Projetos de Lei em curso e políticas trabalhadas em conjunto ao Congresso Nacional para que a redução na carga tributária seja possível, inclusive para a classe de “levíssimos”, que inclui bicicletas elétricas, motos e patinetes.

 

Outro fator que pesa no bolso do consumidor é o dólar alto. De acordo com Souza, a taxa cambial tem alavancado o preço dos EVs: “Desde o início da pandemia, com o real se desvalorizando em relação ao dólar e ao euro, o custo de veículos eletrificados subiu 35%”.

 

Dada a escassez de semicondutores, crise em curso desde o início da pandemia devido a abalos nas cadeias de suprimentos e nos padrões de consumo globais, o custo de fabricação foi às alturas. Por enquanto, segundo os especialistas consultados, ainda é um fator que pesa na oferta de EVs, mesmo que algumas montadoras, como a Tesla e a General Motors, tenham reportado lucros recordes no ano passado.

 

Uma mão na roda

 

Assim que as turbulências na economia amenizarem, espera-se que o mercado de EVs ganhe mais velocidade. No Brasil, já existem movimentações para instalações de fábricas nacionais.

 

A montadora chinesa Great Wall Motors, por exemplo, disse ao final de janeiro que pretende investir US$ 1,81 bilhão para produzir veículos eletrificados no Brasil durante a próxima década. A empresa assumiu uma fábrica da Mercedes-Benz no interior de São Paulo em 27 de janeiro e deve entrar em operação para produção nacional em 2023.

 

“Do ponto de vista de investimentos estrangeiros, o Brasil continua sendo um grande país com conjunturas econômicas e políticas atraentes”, analisa Bentancourt, que também é diretor da Great Wall Motors.

 

“É o sétimo maior mercado automotivo do planeta, tem mão de obra qualificada, base de fornecedores sólida, engenharia local e pesquisa de desenvolvimento de primeira linha. Temos tudo para desenvolver projetos de primeiro mundo aqui, não falta interesse.”

 

Fabricantes mais tradicionais de veículos à combustão, como Ford, Toyota e Renault, também têm se movimentado para aumentar a frota de EVs, nacional e globalmente.

 

A Renault prevê quatro modelos elétricos no Brasil até o final do ano, enquanto a Toyota, por outro lado, já antecipa que o projeto de eletrificação ainda pode demorar um pouco. Até 2025, todos os modelos da fabricante japonesa devem ter uma versão eletrificada, mas não há uma estimativa de quando é que eles chegarão por aqui – e com que preço.

 

O ano de 2025, aliás, é visto como o chave para uma maior difusão do carro elétrico: “A previsão é que, daqui a três anos, o preço da bateria terá caído o suficiente para tornar os EVs economicamente viáveis”, disse Bentancourt.

 

Apesar das movimentações de montadoras para agitar o mercado de elétricos no Brasil, 2022 deve entrar numa espécie de limbo para que o setor avance.

 

Uma fonte desse mercado que preferiu não se identificar disse à CNN que as empresas ainda estão muito inseguras de fazer previsões por dois motivos conjugados: de um lado, o cenário eleitoral, que pode afetar muito a economia nos próximos meses (para o bem ou para o mal); de outro, empresas do setor entram em compasso de espera, monitorando o futuro dos investimentos e lançamentos já anunciados, que podem se confirmar ou não, mas cujos números ainda são incertos.

 

A própria Associação Brasileira de Veículos Elétricos ainda não tem previsões para os lançamentos desse ano.

 

Infraestrutura energética

 

Mas, mesmo que os EVs se tornem mais comuns nas ruas, fato é que a malha de eletropostos ainda é esparsa. Segundo dados da ABVE, há apenas mil pontos de recarga no país.

 

“O Brasil tem dimensões continentais, não dá para falar que, com mil eletropostos, conseguimos atender bem a todos os motoristas”, disse Rodrigo Aguiar, especialista em eficiência energética e sócio-fundador da Elev, empresa voltada ao mercado de mobilidade elétrica.

 

“Existe um desafio de homogeneidade: boa parte dos eletropostos, assim como dos EVs, acompanha a concentração de renda. Como existem mais motoristas no Sudeste, é natural que a malha elétrica esteja mais fortalecida por lá e que não seja interessante para uma distribuidora de energia local instalar um eletroposto, de elevado investimento e gasto energético, em uma estrada distante dos polos de consumo.”

 

Daí, cria-se um círculo vicioso. Sem uma malha expressiva de postos de abastecimento, não é interessante, do ponto de vista do consumidor, fazer a transição para o modelo eletrificado. Por consequência, a baixa circulação local de EVs dificulta que distribuidoras fortaleçam a rede de infraestrutura.

 

“O Brasil, assim como boa parte dos países, está acostumado com o posicionamento de primeiro ter a infraestrutura, para que, daí, o público possa fazer a compra do carro elétrico. Dentro dessa visão, as montadoras estão fazendo a parte delas, e mesmo empresas de distribuição têm nos procurado para fazer alguns projetos de instalação. O ano passado foi bastante positivo para o mercado de elétricos, o que nos indica que mais eletropostos vão surgir por aí”, disse Aguiar.

 

O otimismo do setor, no entanto, vê uma outra pedra no caminho: a capacidade de carregamento.

 

Um desafio ao consumidor, segundo o especialista, é o tempo que leva para completar a bateria do EV. “Ninguém quer ficar 8 horas esperando o ‘tanque carregar’. Já existem carregadores capazes de completar até 80% da bateria em 15 minutos, mas exigem uma potência energética gigantesca.”

 

“Instalar um eletroposto ultrarrápido dentro de um shopping, por exemplo, não é só puxar dois fiozinhos do quadro elétrico. Do ponto de vista energético, é como instalar um shopping dentro de um shopping, e isso custa muito caro, ainda mais pensando no atual cenário do Brasil.”

 

Com planejamento energético, incentivo fiscal e chegada maciça de montadoras em solo nacional, o setor prevê farol verde para o mercado de EVs no Brasil. Mas, ao menos por ora, ele é um amarelo piscante. (CNN Brasil Business/Tamara Nassifdo e Ligia Tuon)