Mesmo com queda do dólar, alta da inflação não dá trégua

O Estado de S. Paulo

 

A taxa de juros já está acima dos dois dígitos, o dólar acumula uma queda superior a 10% neste ano e a economia anda em marcha lenta. Mesmo assim, a inflação brasileira não dá sinais de trégua. A cada dia surgem novas projeções para o IPCA, o índice oficial de inflação do País, e as revisões são sempre para cima.

 

Na terça-feira, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou sua previsão para a inflação em 2022, de 4,9% para 5,6%. No último Relatório Focus, divulgado na segunda-feira pelo Banco Central (BC), a projeção para o IPCA avançou pela sexta semana seguida, para 5,56% – ante a estimativa de 5,15% há apenas um mês. A meta do BC para este ano é de 3,5%, com intervalo de tolerância entre 2% e 5%. No ano passado, o IPCA avançou 10,06%, ante uma meta de 3,75%, chegando quase ao dobro do teto de tolerância, de 5,25%.

 

Ontem, saiu mais um indicador mostrando que a inflação parece longe de perder o fôlego. Os reajustes de mensalidades escolares e de alimentos turbinaram a prévia da inflação oficial no País em fevereiro. O IPCA-15 registrou alta de 0,99%, o maior resultado para o mês desde 2016, informou o IBGE.

 

O resultado superou até as expectativas mais pessimistas de analistas do mercado ouvidos pelo Projeções Broadcast, que esperavam alta mediana de 0,87%. A taxa em 12 meses subiu a 10,76%, também a mais elevada em seis anos. Com isso, analistas já refazem projeções, afastando ainda mais a inflação da meta no ano.

 

A economista-chefe da corretora Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, deve revisar a sua estimativa de uma alta de 5,5% para perto de 6%. “Não é segredo para o mercado que só vamos ver um IPCA abaixo de dois dígitos no fim do segundo trimestre.” Já a Manchester Investimentos prevê que o IPCA encerre 2022 entre 6% e 7%. “A inflação brasileira continua pressionada pela recomposição de margens das cadeias produtivas”, avaliou Eduardo Cubas, sócio e chefe de alocação de recursos da Manchester. “Ainda tem muita recomposição de margem represada, e isso tende a continuar pressionando a inflação ao longo dos próximos meses.”

 

Guerra

 

Segundo analistas, essas previsões têm como base as altas recentes nos preços de commodities (como petróleo e minério de ferro), dos bens de consumo industriais e dos alimentos, que mantêm a inflação pressionada. Mas os números podem ser ainda piores, uma vez que ainda não consideram os riscos decorrentes dos rumos da política fiscal durante o ano eleitoral e do agravamento das tensões entre Rússia e Ucrânia. Um eventual conflito poderia pressionar mais o valor de produtos como o petróleo, com reflexo sobre a gasolina, segundo economistas.

 

“Havendo uma guerra, provavelmente isso vai ter uma repercussão negativa no preço do barril (de petróleo), que já vem avançando, já está na casa de US$ 100, e que pode pressionar mais ainda por reajuste doméstico. Ainda que o real tenha se valorizado, e não foi uma valorização qualquer, isso não vai impedir reajuste nos preços dos derivados do petróleo, porque ele avançou muito mais”, apontou André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (IBRE/FGV).

 

“Nós começamos o ano com projeção de 5,5% para o IPCA, agora está em 6%. Uma das coisas é a pressão de custos que vem do atacado e que pode chegar ao varejo. Por exemplo, a gente teve uma surpresa com relação ao cenário de petróleo, mais pesado do que se imaginava. A perspectiva de um conflito entre Rússia e Ucrânia, tomara que não ocorra, mas evidentemente o petróleo subiria ainda mais”, disse Fábio Romão, economista da LCA Consultores. (O Estado de S. Paulo/Daniela Amorim, Cícero Cotrim e Maria Regina Silva)