Estradão
A Mercedes-Benz aposta no crescimento das vendas de caminhões no Brasil em 2022. É o que afirma o vice-presidente de caminhões e ônibus da empresa, Roberto Leoncini. De acordo com ele, serão vendidas 140 mil unidades neste ano. Aliás, o número está alinhado com o divulgado pela Anfavea, associação que reúne as fábricas de veículos do País. Porém, para o executivo isso vai depender da melhora na cadeia de suprimentos. Ou seja, é preciso haver componentes para garantir a produção.
Conforme Leoncini, foi justamente a falta de peças que fez com que a Mercedes-Benz perdesse a liderança de vendas de caminhões no Brasil em 2021. A marca alemã ocupava a posição desde 2016. Como resultado da queda na produção, a participação de mercado da empresa caiu de 30% em 2020 para 27,3% no ano passado. Com isso, perdeu o primeiro lugar no ranking de emplacamentos para a Volkswagen Caminhões e Ônibus.
De acordo com Leoncini, a falta de componentes deve continuar em 2022. Além disso, ele diz que não há previsão pra o fim da crise. Assim, o executivo afirma que sua estratégia é ser transparente com os clientes. Afinal, dependendo do modelo, a espera por um caminhão da Mercedes-Benz passa de cinco meses.
Leoncini falou sobre esses e outros assuntos em entrevista exclusiva ao Estradão. Confira os principais trechos da conversa:
Mercedes-Benz perdeu liderança em 2021
Como o sr. avalia o desempenho da Mercedes-Benz no Brasil em 2021?
Tínhamos boas expectativas para 2021. E o desempenho do mercado foi sensacional, sobretudo na comparação com 2020. Como resultado, as vendas de caminhões ficaram próximas de 130 mil unidades. Assim, estamos falando de um ano que só não foi melhor por causa dos problemas na cadeia de logística e suprimentos.
Um dos principais gargalos foi a falta de semicondutores. Então, vejo que poderia ter sido muito melhor para todas as marcas. A Mercedes-Benz sofreu bastante com isso. Como resultado, terminamos o ano com queda de participação em relação aos números de 2020.
A queda foi causada pela falta de componentes?
Sim. Por exemplo, fechamos 2021 com muitos caminhões parados no pátio por falta de componentes. Da mesma forma, tivemos de fazer paradas na linha de produção porque não havia componentes e também por causa de outras questões ligadas à pandemia. Ou seja, não conseguimos cumprir os planos. Porém, não me preocupo com a participação de mercado. Me preocupo é com a insatisfação que pode ter sido criada nos clientes que esperavam pela entrega de caminhões e não foram atendidos.
Desafios em 2022
O que será feito em 2022 para resolver esses problemas?
Vamos entregar o que a gente deixou pendente. O plano é fazer isso ainda no primeiro trimestre deste ano.
Porém, ainda há falta de componentes. Como isso será resolvido?
Esse problema vai continuar. Infelizmente, não estamos vendo nenhuma melhora significativa. Porém, isso já era esperado. Além disso, aconteceram imprevistos, como a onda de contaminações pela Ômicron em vários países. Bem como desastres naturais, como o excesso de chuvas na Ásia. Esses fatores contribuíram para manter o desequilíbrio da cadeia de produção. Portanto, são questões que não serão resolvidas no curto prazo.
Dessa forma, acredito que 2022 será um ano bem desafiador. Seja como for, estamos conversando bastante com nossos clientes e concessionários. Assim, temos mostrado, da forma mais transparente possível, o que está acontecendo.
Crise dos chips não será resolvida logo, diz vp da Mercedes-Benz
O que tem sido feito para adequar a fábrica a essa realidade?
Às vezes, a gente tem de mudar o mix de produção de uma semana para outra. Ou seja, justamente porque não recebemos algum componente necessário para o produto que está sendo fabricado naquele momento. Tudo isso é um grande desafio.
Falta de pneus
Além de chips, quais itens estão faltando e causando essa situação?
Por exemplo, há falta de alguns componentes plásticos. No início de 2021, houve um problema muito sério por causa da falta de pneus. Porém, agora a situação com os itens de borracha está melhor. A indústria de pneus é a que mais rapidamente responde às demandas. Por outro lado, os itens eletrônicos ainda são os principais gargalos.
Além disso a Mercedes-Benz é full liner. Ou seja, faz desde modelos leves, como o Accelo, até os extrapesados Actros e Arocs. Assim, cada família de produtos foi afetada de uma maneira. Em outras palavras, quanto mais pesado for o veículo, maior é sua complexidade eletroeletrônica. Seja como for, todas as famílias são afetadas. Porém, em proporções distintas.
Já há clientes trocando modelos com muita eletrônica por outros mais simples para receber o produto antes?
Não. Afinal, quem compra um Actros, quer todas as tecnologias que ele entrega. Mas, evidentemente, os clientes precisam cumprir seus contratos. E, se a gente não consegue atender, eles vão buscar soluções em outro lugar.
Qual é o prazo de espera para um extrapesado da Mercedes-Benz?
Para o Actros, de três a quatro meses. No caso do Arocs, pode ser um pouco mais. Ele foi lançado em outubro e todo o volume que havia sido planejado já foi vendido. Porém, vale ressaltar que é possível encontrar alguns Actros na rede para pronta entrega. Isso porque há concessionárias que apostaram na alta da demanda. Assim, faturaram caminhões mesmo sem ter o pedido firme de clientes.
Antecipação de compras
Para atender as novas leis de emissões (P8), o caminhão ficará mais caro. Isso deve estimular as vendas dos P7, que são mais baratos?
Não sei se haverá uma corrida para antecipar as compras, como a gente viu na mudança do P5 para o P7 (Euro 3 para Euro 5). Primeiro porque naquela época o consumidor tinha dúvidas sobre as novas tecnologias. Por exemplo, muita gente não sabia como usar o Arla 32. Obviamente, houve quem antecipou a compra para pagar menos. Porém, agora é diferente. Ou seja, do Euro 5 para o Euro 6 não há mudanças radicais. O cliente do extrapesado já está adaptado. O que poderá haver é alguma dúvida por parte de quem compra modelos leves e médios.
Seja como for, isso deverá ficar mais ligado à questão do aumento do preço por causa das novas tecnologias. Além disso, os custos de produção estão subindo. Sobretudo por causa da alta do aço, borracha, plástico e sistemas eletrônicos. Bem como do custo de logística. Então, não sei se a mudança de preço será parecida com a que ocorreu do Euro 3 para o 5.
Caminhão Euro 6 poderá ser até 25% mais caro
De quanto será o aumento com a adição das novas tecnologias?
Creio que ficará entre 15% e 25%. Mas é preciso ver o que vai acontecer com o mercado neste ano. Seja como for, acredito que o consumidor também vai analisar bem antes de sair comprando.
Além disso, há a questão dos juros. Por exemplo, se a taxa estivesse na casa dos 2%, tenho certeza de que haveria uma corrida às compras. Mas, com os juros e a inflação altos, isso não deve acontecer.
Mercado deve manter ritmo de alta em 2022
Como será o mercado de caminhões no Brasil em 2022?
Estamos alinhados com a Anfavea. Assim, enxergamos um mercado para 140 mil caminhões. Porém, o ponto de interrogação é com relação aos componentes. A indústria precisa receber todos os itens dos fornecedores para conseguir produzir. E não tenho certeza sobre o fornecimento.
Ônibus elétricos serão entregues neste ano
A Mercedes-Benz lançou um chassi elétrico de ônibus. As entregas não vão ser prejudicadas por causa da falta de componentes eletrônicos?
Creio que isso não vai acontecer. Até porque os volumes serão menores. Portanto, o impacto deverá ser muito menor na comparação com o que ocorre com os caminhões.
Porém, cada segmento tem suas particularidades. Por exemplo, no caso do diesel, tanto o ônibus quanto o caminhão têm módulo de gestão de emissões de gases do motor. Esse é um item que está em falta. Porém, no ônibus elétrico não há esse componente.
Por outro lado, os veículos elétricos têm sistemas de gestão de baterias, etc. Seja como for, são componentes muito específicos. Portanto, não deve haver problemas de fornecimento. Assim, as entregas de ônibus elétricos vão começar no segundo semestre deste ano.
Influências externas
A eleição para presidente pode impactar as vendas de caminhões?
Há muito tempo o mercado de caminhões está descolado da política. Ou seja, é um setor que trabalha com base em contratos. Se tem carga, tem contrato. E se tem remuneração, o mercado compra. Se há linhas de financiamento, o mercado compra ainda mais.
Evidentemente, é preciso ficar atento aos movimentos do setor. Em ano de eleição, pode haver insegurança por parte de quem pretende fazer algum investimento. Mas me preocupo muito mais com as taxas de juros nas linhas de crédito para a compra de usados. Também é preciso entender o que vai acontecer com setores como agronegócio e mineração. Bem como acompanhar o nível das exportações.
Renovação de frota
O sr. é defensor de um programa de renovação de frota. Há avanços?
Vou continuar batendo nessa tecla. Porém, infelizmente a gente vê pouca ação. A Anfavea está tentando fazer novas discussões (com o governo federal) nesse sentido.
Há um projeto pronto. O que é preciso fazer para colocá-lo em prática?
Exatamente, o projeto está pronto. Mas é preciso que todos os envolvidos se sentem à mesa e que cada um assuma sua parte no custo e no risco. Ou seja, o gargalo está em definir o que será feito com o caminhão que tem mais de 20 anos e em como remunerar o dono que entregar esse caminhão.
Além disso, é preciso saber se quem tinha um caminhão antigo e trocou por outro mais novo estará disposto a pagar IPVA, por exemplo. Historicamente, o Brasil tem uma política que incentiva o uso do caminhão velho. Ou seja, é exatamente o contrário do que fazem os países desenvolvidos.
Seja como for, atualmente há ferramentas que permitem avaliar a capacidade de um autônomo honrar suas dívidas. Ou seja, são soluções que ajudam a instituição financeira a oferecer crédito. Isso facilitaria a troca do caminhão velho por um mais novo. Além disso, a inspeção veicular obrigatória já ajudaria a renovar a frota. (Estradão/Andrea Ramos)