“O ônibus pode ser a salvação do turismo no Brasil”

O Estado de S. Paulo

 

“Miramos outras frentes de negócios, como as encomendas. Se a gente aumentar a receita, poderá reduzir os preços dos bilhetes”.

 

“A concorrência coloca o cliente em primeiro lugar, força o setor a manter os preços baixos e a oferecer um serviço de boa qualidade”.

 

Em junho de 2017, o economista Marcelo Vasconcellos criou, com o amigo Marcelo Abritta, uma página no Facebook para oferecer bilhetes de ônibus rodoviários por meio de fretamento colaborativo. Em menos de 30 dias, o perfil tinha 10 mil seguidores. Assim surgiu a Buser, plataforma eletrônica que trabalha em parceira com empresas de ônibus que atendem a mais de 700 destinos em todos os Estados do Brasil. Os principais atrativos são os preços até 50% mais baixos do que os praticados pelas chamadas viações tradicionais e a facilidade do processo de compra, realizado de forma 100% digital. Em entrevista feita por meio de chamada de vídeo, o executivo falou ao Estadão sobre os avanços do setor e o que precisa ser feito para ampliar a oferta de transporte coletivo no País.

 

Como foi o desempenho da Buser em 2021?

Crescemos muito bem em 2021. O início da vacinação deu mais segurança para as pessoas viajarem. Como resultado, em dezembro a gente cresceu três vezes em número de passageiros na comparação com dezembro de 2020. Ou seja, para 900 mil pessoas. Isso é resultado também das restrições a viagens impostas por outros países e da alta do dólar, que impulsionaram o mercado interno. Estamos muito contentes porque os brasileiros perceberam que podem voltar a sair de casa e rever as pessoas queridas. Além disso, a volta do turismo interno vem contribuindo para a retomada da economia em todo o País.

 

Haverá um ‘boom’ de viagens de ônibus para turismo no País?

O avanço da vacinação dá confiança para quem quer viajar. Mesmo havendo alta no número de contaminações por covid neste ano, as mortes não estão acompanhando essa curva. O grande número de feriados no Brasil deve incentivar ainda mais o turismo e gerar picos de demanda por transporte rodoviário de passageiros. Crescemos bastante em 2021 e vamos crescer ainda mais em 2022.

 

A alta dos preços dos bilhetes aéreos e os problemas com empresas do setor contribuíram para o avanço das viagens de ônibus?

Sem dúvida que sim. O setor de ônibus rodoviários também sofreu com a alta dos preços. Mas o que possibilitou que o repasse fosse menor foi a concorrência, incentivada não só pela operação da Buser como também de outras empresas e aplicativos que conectam os viajantes às companhias de ônibus. A concorrência coloca o cliente em primeiro lugar, força o setor a manter os preços baixos e a oferecer um serviço de boa qualidade. Com a alta dos preços dos bilhetes aéreos, o transporte rodoviário passou a ser a opção viável para muitos passageiros.

 

O que é preciso fazer para estimular o mercado?

O setor de fretamento, onde a Buser atua, sofre com leis como a do ‘circuito fechado’, que só servem para criar reserva de mercado. Ela obriga que o mesmo grupo que comprou os bilhetes de ida compre também os de volta. Isso não faz sentido. O PL 3.819/2020, aprovado na Câmara no fim do ano passado, vetou a proibição dos aplicativos, que era a posição defendida pelo Senado. Há um movimento de abertura do setor de linhas regulares, controlado pelas empresas que atuam nas rodoviárias. Essa abertura é defendida pelo governo desde 2014. Nesse caso, houve um retrocesso. Seja como for, a gente acredita que não apenas os órgãos reguladores como as empresas que atuam no setor vão perceber que a concorrência é benéfica para o consumidor, para o País e também para elas próprias.

 

O Buser mantém ações para garantir a segurança sanitária dos passageiros?

Muitas das lições que aprendemos com a pandemia vieram para ficar. É o caso da maior preocupação com a higienização dos ônibus. A Buser cresceu muito rapidamente. Investimos na qualidade e na padronização dos serviços. Agora, vamos investir mais nos pontos de embarque para melhorar a experiência do passageiro. Temos não só de manter os preços baixos, mas também garantir segurança e qualidade.

 

Quais são as metas da Buser para 2022 e o que será feito para alcançá-las?

Em 2021, captamos R$ 700 milhões que serão utilizados para melhorar e expandir nossa operação em todo o Brasil. Também miramos outras frentes de negócio, como o transporte de encomendas. Em 90% das viagens, o bagageiro do ônibus fica vazio. Se a gente aumentar a receita, pode oferecer preços ainda menores para os passageiros. É um círculo virtuoso. Quanto mais barato você cobrar, mais gente poderá viajar. Portanto, vamos investir pesado nisso em 2022.

 

Há planos de levar o negócio para outros países?

Estamos chegando aos cinco anos de vida e temos mais de 6 milhões de clientes cadastrados. E há muito espaço para crescer. Estamos em mais de 700 municípios, mas o Brasil tem mais de 5 mil cidades. Nossa meta é estar em todo o território nacional. Portanto, é cedo para pensar em ir para fora. Estamos muito otimistas sobre 2022. Por mais desafiador que o momento possa parecer, a gente vê que o ônibus pode ser a salvação do turismo no Brasil. Eu falo muito sobre o turismo porque, com a inflação alta no segmento aéreo e o dólar nas alturas, o brasileiro está se reencontrando dentro do País. A gente tem de redescobrir o Brasil e investir nele.

 

Há alguma decisão que você mudaria se pudesse?

Não. Porém, a gente poderia ter feito algumas coisas de forma mais rápida. Por exemplo, quando começou a segunda onda (de infecções pela covid-19 ), reduzimos bastante a oferta de serviços. O mercado começou a dar sinais de que queria voltar, mas ficamos contidos. Então, creio que a gente poderia ter escutado melhor o mercado e aumentado a oferta antes. Só voltamos com força a partir de julho, agosto.

 

Que dica você daria ao Marcelo que estava saindo da faculdade de Economia?

Faça tudo o que puder para ajudar os outros. Quanto mais você conseguir impactar positivamente a vida das pessoas, mais retribuição vai ter. Não só do ponto de vista pessoal, mas também do financeiro. (O Estado de S. Paulo/Tião Oliveira)