O Estado de S. Paulo
“Não será preciso ligar o veículo na tomada. Para o consumidor, bastará parar no posto e encher o tanque com etanol.”
“O board no Japão mandou antecipar, de 2023 para este ano, a instalação de uma célula a etanol na fábrica de lá.”
A trajetória de Airton Cousseau na Nissan é impressionante. O gaúcho presidiu a empresa no México, país onde a marca tem sua maior participação de mercado no mundo. Também foi o primeiro ocidental a comandar a operação da companhia na China e liderou a empresa nos Estados Unidos – ou seja, nos dois maiores mercados de veículos do planeta. Ele conta que ama o Brasil e, por isso, não perdeu a oportunidade de voltar e ter, como afirma, “uma churrasqueira com um apartamento em volta”. O presidente da Nissan Mercosul e diretor-geral da empresa no País repetiu ao Estadão, como um mantra, que sente orgulho de ser brasileiro e do time com o qual trabalha. A menina dos olhos de Cousseau é o projeto que pretende lançar a célula a etanol antes de 2030. O executivo falou sobre o sistema, que gera energia elétrica por meio de reação química, não produz CO2 e poderá ser utilizado em qualquer tipo de veículo, bem como sobre os resultados e as perspectivas da empresa.
Como o sr. avalia o desempenho da Nissan em 2021?
Houve vários desafios. Não só para a indústria automotiva. Então, decidimos cuidar da saúde das pessoas. Não tivemos muitos casos (de contaminação por covid). A produção não foi paralisada por isso, mas por causa da determinação de autoridades de saúde e, depois, por questões ligadas aos fornecedores. Além da falta de semicondutores, tivemos grandes desafios na logística, que virou um caos. Houve até casos de contêineres descarregados em portos de outro país. Mas talvez tenha sido o ano em que eu mais aprendi. Tivemos de fazer muita coisa para manter as operações funcionando, inclusive junto aos concessionários, o que nos deixou ainda mais próximos da rede. Na comparação com 2021, crescemos 6,4% em volume, enquanto o setor cresceu 3%. Isso é ainda mais relevante considerando que atuamos em três ou quatro segmentos do mercado. Anunciamos investimentos para a abertura do segundo turno na fábrica de Resende (RJ) e vamos contratar. Em dezembro, o (SUV) Kicks, que é feito lá, foi o líder de vendas do setor na Argentina. Também estamos à frente no processo de eletrificação. O Leaf foi o elétrico mais vendido no Brasil em 2021. Os volumes ainda são pequenos, mas o crescimento é enorme. O elétrico está chegando para ficar. Fizemos parceria com a (locadora) Movida para desmitificar o carro elétrico. Assim, criamos a oportunidade para que mais pessoas possam dirigir esse tipo de veículo. Portanto, posso dizer que 2021 foi um ano extremamente positivo para a Nissan.
O consumidor ainda tem muita dúvida sobre o carro elétrico. Por exemplo, como faz para carregar…
É tão fácil como recarregar o celular. À noite, você chega em casa e conecta na tomada. Se você anda 70, 80 quilômetros por dia, é muito tranquilo. E, para quem vai viajar para mais longe, a rede de pontos de recarga está se desenvolvendo rapidamente. Empresas grandes, como a Raízen e a Shell, têm planos agressivos de implementação de infraestrutura para recarga no País. Não é o trabalho de uma empresa ou um setor, mas de todos juntos. Estou muito satisfeito de estar nesse momento no Brasil, porque a Nissan pode ser uma das empresas de ponta na eletrificação veicular do País.
Como está o projeto de geração de energia elétrica a partir de biocombustível, que a Nissan coordena?
Está andando bem. Essa pesquisa tem quase seis anos. Já dá para rodar quase 800 km com eletricidade usando um tanque de etanol. O etanol tem uma enorme capacidade de gerar energia na célula a combustível. E essa energia move o motor elétrico. Então, não vai ser preciso ligar o veículo na tomada. Para o consumidor, bastará parar no posto e encher o tanque com etanol. Temos parcerias com universidades e empresas como a Raízen, que está cooperando sobretudo na parte do desenvolvimento do etanol. Esse projeto é muito forte dentro da Nissan e pode ter vários tipos de aplicação. Dá para usar em carros, motos, aviões, barcos e até em motores estacionários. O board no Japão está tão entusiasmado que mandou antecipar, de 2023 para este ano, a instalação, na fábrica de lá, de um sistema estacionário a célula a etanol, que vai ser enviado do Brasil. Eu gostaria de acelerar o processo de lançamento, mas é preciso respeitar os planos de desenvolvimento. O mais importante é que todos os obstáculos já têm solução. Em 2025, ou seja, em menos de três anos, vamos concluir os testes e iniciar a fase de marketing. Quando eu ouvi falar desse projeto, e que foram engenheiros brasileiros que o desenvolvera, senti ainda mais orgulho do nosso pessoal e do País. Estou muito entusiasmado porque esse não é um negócio para a Nissan. É para o Brasil e para o mundo. Por exemplo, o sistema funciona com gás natural, que é muito forte na Rússia. É muito bom estar aqui neste momento.
O sistema deve chegar ao mercado antes de 2030?
Sim. E vai ser possível desdobrar esse produto. Não estamos falando apenas de automóveis, mas de qualquer outra aplicação que precise de motor. Essa é a parte que mais me deixa entusiasmado. Normalmente, a gente cria aqui, mas a produção acaba indo para outro lugar. Eu não quero deixar que isso aconteça.
O que é preciso para fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias?
Infraestrutura é tudo. Mas, para você ter ideia de como estamos atrasados, a duplicação da estrada que liga Curitiba e São Paulo levou 50 anos para ser feita. Na China, por exemplo, as coisas acontecem de forma muito rápida e profunda. Quando eu cheguei ao país, o metrô da cidade já era espetacular e o pagamento era feito com um cartãozinho, como o de Nova York (EUA). No ano seguinte, já dava para pagar com o celular. No outro ano, era possível usar reconhecimento facial. Então, para o Brasil avançar a gente precisa investir mais em infraestrutura. O agronegócio, por exemplo, está explodindo, mas falta conexão de internet no campo. Deveria haver uma ampla rede, e com boa qualidade. Há máquinas altamente sofisticadas e até autônomas, mas não dá para utilizar todos os recursos porque não há internet. (O Estado de S. Paulo/Tião Oliveira)
“Frota elétrica deve demorar a crescer no Brasil”
O Estado de S. Paulo
Desde o dia 1.º de janeiro, Pablo Di Si ocupa o recém-criado posto de chairman executivo da Volkswagen. Sua missão é pensar a futura estratégia da empresa em áreas como mobilidade, eletrificação em 29 países das Américas do Sul e Central, além do Caribe, na região chamada de SAM. Habilidoso, em meados dos anos 1980 ele conquistou vaga em uma universidade dos Estados Unidos após enviar um vídeo em que mostrava ser um bom volante em um time de base do futebol portenho. Recentemente, o argentino convenceu a matriz da empresa, na Alemanha, a criar um centro de desenvolvimento de biocombustíveis no Brasil. O executivo falou com o Estadão sobre o novo cargo e o futuro da companhia alemã.
Como foi o desempenho da VW no País em 2021?
O ano de 2021 foi bom do ponto de vista de resultados financeiros. Porém, poderia ter sido melhor. Todo mundo ficou com esse gostinho de que poderia ter feito muito mais coisas. A estimativa da Anfavea é de que a indústria deixou de vender entre 300 e 350 mil veículos no ano passado. Havia consumidores com dinheiro disponível e vontade de comprar um veículo. Mas nós não tínhamos as peças, seja semicondutores, pneus etc, para produzir esses veículos. Olhando um pouquinho para 2022, haverá menos restrições, mas elas vão continuar existindo. Assim, temos de olhar mais para frente, entender a mobilidade e como serão os veículos sustentáveis, sejam elétricos, híbridos ou flex. É preciso olhar os modelos de negócio em que vamos atuar e como será o novo consumidor, quais serão as preferências dele.
O sr. foi promovido. Qual é o seu novo papel na estrutura da empresa?
Sim. Eu saí da operação e passei a focar ainda mais a estratégia. Miro temas como futuro, políticas públicas. Tenho de ter um olhar transversal, avaliar novas tecnologias e parceria. Minha responsabilidade é gerar muito mais desenvolvimento por meio de ações com outras empresas estratégicas para que a Volkswagen continue crescendo.
A sua defesa contundente do etanol como uma das soluções para o futuro da mobilidade contribuiu para sua promoção?
Creio que não. Essa mudança já estava definida antes de o projeto ser aprovado. Somos a única montadora do mundo que tem um centro de pesquisas de desenvolvimento de biocombustíveis. E ele fica aqui no Brasil. O mais importante é que, seja um carro elétrico, híbrido ou flex ou seja um patinete ou bicicleta, ele gera CO2. Então, é importante acompanhar todo o ciclo do produto e a fonte de energia necessária, que pode ser vento, água, etanol, carvão e gasolina, por exemplo. Eu digo que nosso nariz respira não só o que sai do escapamento do veículo, mas tudo que é gerado no processo. Também é importante deixar claro que o etanol não é a solução para o mundo, mas é espetacular para o Brasil e outros países. Nós também temos muito sol, vento e água. Há ótimas fontes renováveis de energia. Temos de entender qual é a melhor para cada país. O etanol tem muito para contribuir ao Brasil e a outros locais do mundo.
A VW vai apostar em novos modais ou novas opções de meios de transporte?
Temos uma série de iniciativas. Começamos pelos carros elétricos, que foram lançados também no Brasil e na Argentina, além da Alemanha, entre outros mercados. Para alguns modelos há uma espécie de combo. Você também pode comprar bicicleta e patinete.
Ou seja, temos de olhar todo o processo da mobilidade e da sustentabilidade. Já estamos fazendo no Brasil e trabalhando fortemente na Alemanha e nos Estados Unidos a questão da infraestrutura de recarga de veículos elétricos. As empresas e os governos, de países, regiões ou cidades, têm de contribuir para o desenvolvimento da eletrificação. Fizemos uma parceria com empresas como Siemens e Porsche e estamos instalando carregadores rápidos no Brasil. Ainda não são muitos, mas, se cada um fizer seu pedacinho, haverá muito mais em breve.
Quando o preço do carro elétrico será igual ao de um modelo a combustão?
É uma pergunta estratégica e, para responder, temos de entender o contexto. Alguns países apostaram na eletrificação. Por isso, deram benefícios de, digamos 8 mil para o consumidor. Com isso, o preço do carro elétrico fica muito interessante. Além disso, o custo de uso é menor. Sem nenhuma dúvida, em cinco anos o custo desses carros vai ser muito parecido. Na Alemanha, na China e nos EUA, essa é uma política de Estado. O subsídio visa criar uma nova indústria, que inclui baterias e serviços de reciclagem, por exemplo. O Brasil tem uma lei sobre o combustível do futuro. Ou seja, ela vai regular da aviação a navios e toda a cadeia de transporte. Isso
O Estadão Mobilidade Insights reúne entrevistas com executivas e executivos que decidem os rumos de grandes empresas do setor no Brasil. A reportagem ouviu representantes de fabricantes de ônibus e caminhões, como Scania e Mercedes-Benz, de automóveis e comerciais leves, caso da BMW, Grupo Caoa e GM, e de tratores, a exemplo da New Holland Agriculture. A Kavak, que atua na compra e venda de usados, e o Grupo Vamos, que vende e aluga pesados, tratores e equipamentos da linha amarela, também participam. Os líderes falaram sobre como venceram as dificuldades do mercado em 2021 e as perspectivas para o setor e a economia em 2022. A entrevista de hoje é com Pablo Di Si, que acaba de deixar o cargo de CEO e presidente da VW América Latina para ocupar o recém-criado posto de chairman executivo.
É importante porque trata da emissão de CO2 do poço à roda. Ou seja, no ciclo completo. Não importa qual seja a fonte de energia, ter uma política pública como essa é fundamental para reduzir as emissões. Acredito muito no Brasil, e há poucos países no mundo com esse tipo de política pública. Então, a ampliação da oferta do carro elétrico vai ser um pouco mais demorada no Brasil. Cada país tem de olhar de onde virá a energia. A solução é ainda mais ampla. As usinas fazem etanol e açúcar. O bagaço da cana gera biometano que pode ser usado para produzir energia elétrica. As soluções vão muito além do setor de veículos.
O que o governo deve fazer para fomentar o setor?
Os governos deveriam tratar de questões estratégias. Cada país tem de avaliar o que tem de melhor, seja em recursos naturais, pessoas, cultura etc, e estabelecer quatro, cinco indústrias como estratégicas. No Brasil, o agronegócio é um setor fundamental. A indústria de veículos representa 20% do PIB. Seja como for, é preciso que esse plano tenha continuidade, independentemente do governo. Essa é a parte difícil nos países da América Latina. Aqui, quando sai um governo e entra outro, muita coisa acaba mudando. De qualquer modo, é um consenso que o agronegócio é fundamental para o Brasil.
“Empresas e governos, de países, regiões ou cidades, têm de contribuir para o desenvolvimento da eletrificação.” “O etanol não é a solução para o mundo, mas é espetacular para o Brasil e outros países. Também temos muito sol, vento e água”. (O Estado de S. Paulo/Tião Oliveira)