Prévia aponta maior inflação para setembro em 27 anos

O Estado de S. Paulo

 

O IPCA-15, prévia da inflação oficial do País, avançou 1,14% em setembro e fez o índice chegar a 10% no acumulado de 12 meses. A alta é a maior para o mês desde 1994, início do Plano Real. A gasolina teve alta de 2,85% e acumula 39,05% em um ano. A conta de luz subiu 3,61%. Para analistas, a inflação em dois dígitos pressiona ainda mais o Banco Central, que já havia anunciado mais uma alta dos juros na próxima reunião do Copom.

 

A escalada de preços dos combustíveis e da conta de luz, que já vem apertando o orçamento das famílias brasileiras nos últimos meses, fez a prévia da inflação oficial subir forte e superar os 10% no acumulado dos últimos 12 meses. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15) avançou 1,14% em setembro, a maior alta para o mês de setembro desde 1994, início do Plano Real. O dado, que considerou os preços coletados entre 14 de agosto e 14 de setembro, foi divulgado ontem pelo IBGE.

 

O resultado surpreendeu e veio acima da mediana da taxa apontada pela pesquisa do Projeções Broadcast com as estimativas do mercado financeiro. Agora, os analistas devem rever suas projeções para o IPCA de setembro, quando o acumulado em 12 meses também deverá romper os 10%.

 

Diante das declarações recentes do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, de que a política monetária não alteraria seu “plano de voo” em função de cada novo dado de inflação, analistas preferiram seguir apostando na manutenção do ritmo de alta da Selic, a taxa básica de juros, mas reconheceram que aumentou a pressão sobre a autoridade monetária. Na quarta-feira, o BC anunciou alta de 1 ponto porcentual, para 6,25% ao ano, e informou que pretende repetir a dose em outubro.

 

Para Daniel Lima, economista do banco ABC Brasil, os números mostram um cenário indigesto para o BC, pois a composição do IPCA-15 de setembro veio ruim em todos os aspectos, seja porque a elevação de preços está difundida pelos diversos produtos e serviços pesquisados, seja porque os núcleos, ou seja, o cálculo da inflação que exclui as maiores variações, também estão acelerando. “A leitura geral desse IPCA15 é de um número desfavorável: a média dos núcleos, a difusão, todas as categorias de bens industriais, serviços, preços administrados e alimentação no domicílio mostrando aceleração”, disse Lima.

 

O economista Homero Guizzo, da corretora Guide Investimentos, descreveu os dados do IPCA-15 de setembro como “assustadores”. “Em outras partes do ano, conseguimos identificar alguns “poréns” nos números altos de inflação, como o índice geral pressionado por algum choque concentrado. Hoje, é mais difícil. Não podemos recorrer a esse argumento. Quando olhamos a abertura, tem pressão de todos os lados. Não há nenhuma trégua”, disse o economista.

 

Em setembro, sozinhas, a gasolina e a energia elétrica foram os itens com maior impacto no IPCA-15. A gasolina teve alta de 2,85% no mês e acumula um salto de 39,05% em 12 meses. Os combustíveis vêm encarecendo por causa da alta das cotações do petróleo e do dólar.

 

Já a conta de luz, que subiu 3,61% no IPCA-15 de setembro, está mais cara por causa da crise hídrica. Sem chuvas, os reservatórios das usinas hidrelétricas, principal fonte de geração no País, chegaram aos níveis mínimos históricos, exigindo o acionamento de usinas térmicas, com custo operacional maior. Quando isso ocorre, o custo maior é repassado para o consumidor por meio das “bandeiras tarifárias”, taxas adicionais cobradas na conta. Em agosto, o quadro ficou tão crítico que foi determinada uma nova bandeira, com uma taxa mais elevada do que todas.

 

A estiagem e as cotações elevadas das matérias-primas agrícolas também impulsionaram os preços de alimentos e bebidas. Esse grupo de despesas avançou 1,27% no IPCA-15 de setembro, acima do 1,02% em agosto e do 0,49% de julho. Entre os destaques de alta em setembro, estão as carnes (que subiram 1,10%), a batata-inglesa (10,41%), o café moído (7,80%), o frango em pedaços (4,70%), as frutas (2,81%) e o leite longa vida (2,01%).

 

Para piorar, o quadro é agravado por problemas associados à pandemia que ainda não se dissiparam. É o caso do travamento das cadeias globais da indústria e da reabertura das atividades de serviços. Com a vacinação avançando, negócios como bares, restaurantes e salões de beleza começam a voltar à normalidade, o que tem permitido reajustes nos preços desses serviços. Nas contas do economista Raphael Rodrigues, do Banco BV, eles ficaram 0,74% mais altos em setembro, ante 0,29% em agosto. (O Estado de S. Paulo/Vinicius Neder, Cícero Cotrim, Thaís Barcellos e Guilherme Bianchini)