Com disparada da inflação em agosto, mercado já vê juro a 9% no fim do ano

O Estado de S. Paulo

 

A disparada no preço da gasolina e dos alimentos fez a inflação oficial no País atingir a maior alta para o mês de agosto em 21 anos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou variação de 0,87% no mês passado, superando as estimativas mais pessimistas do mercado. No acumulado dos últimos 12 meses, o IPCA já soma 9,68%, tendo ultrapassado a marca dos dois dígitos em oito das 16 cidades pesquisadas pelo IBGE.

 

Como resultado, os economistas começaram a revisar suas estimativas para a inflação e, por tabela, para a taxa básica de juros no fechamento deste ano. Alguns analistas já falam em uma Selic de 9% até dezembro. “O mercado já está dando como certo que o Banco Central vai acelerar o ritmo de alta (dos juros)”, disse o estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, Luciano Rostagno.

 

A meta de inflação para 2021 é de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para baixo (2,25%) ou para cima (5,25%). Para alcançá-la, o Banco Central eleva ou reduz a Selic, que hoje está em 5,25% ao ano. Na hipótese de a meta ser descumprida, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, terá de enviar uma “carta aberta” ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando as razões para o estouro.

 

Antes da divulgação do IPCA, o consenso no mercado era de uma nova alta de 1 ponto porcentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 21 e 22. Agora, os analistas não descartam uma elevação de 1,25 ponto.

 

Surpreendido com o IPCA de agosto, o sócio e economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel, está revendo seus números. Ele afirmou que sua projeção para a Selic, que estava se encaminhando para 8%, deve ficar mais próxima dos 9% no ano.

 

Já a gestora de recursos Quantitas Asset trabalha com uma previsão para a Selic de 8,75% até dezembro, mas acredita que a taxa de juros deve chegar aos dois dígitos ao fim do ciclo de aperto monetário, esperado para março de 2022. Pelas suas projeções, a taxa pularia dos atuais 5,25% para 10% ao ano no final do primeiro trimestre do próximo ano.

 

A corretora Ativa Investimentos também calcula que seria necessário elevar a taxa Selic a 10% para fazer a inflação convergir para o centro da meta em 2022 (de 3,5%).

 

“É um remédio amargo subir juros neste cenário de desemprego e atividade que precisa se recuperar da pandemia. Mas é melhor esse remédio amargo agora do que deixar a inflação continuar crescendo”, opinou a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória.

 

Segundo o economista Fábio Romão, da LCA Consultores, só a entrada em vigor da bandeira tarifária “escassez hídrica”, que adiciona a cobrança de R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos, aumenta o IPCA em 0,30 ponto porcentual, mas ainda “pode afetar indiretamente na formação dos preços de grande parte de bens e serviços”.

 

Difusão

 

O IPCA de agosto mostrou que a inflação está mais disseminada. O índice de difusão do indicador – que mostra o porcentual de itens com aumentos de preços – subiu de 64%, em julho, para 72% em agosto, maior resultado desde dezembro de 2020.

 

Segundo o IBGE, a alta do dólar tem influenciado o encarecimento de combustíveis, enquanto a crise hídrica provoca um aumento na energia elétrica. Os alimentos também estão mais caros, sob pressão tanto das exportações quanto de problemas climáticos, como geada e estiagem, que reduzem a oferta de produtos no mercado doméstico. “As geadas podem ter influenciado especialmente os itens mais delicados, como frutas e hortaliças. Reduz a oferta e faz com que os preços subam”, explicou André Almeida, analista do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE.

 

O encarecimento dos alimentos e dos transportes respondeu por mais de dois terços da inflação de agosto. As famílias gastaram 1,39% a mais com comidas e bebidas, diante de aumentos em itens como a batata-inglesa, café moído, frango em pedaços, frutas e carnes.

 

O custo do transporte foi o que teve a maior alta no mês, 1,46%, puxado pelos combustíveis. A gasolina subiu 2,80%, item de maior impacto na inflação do mês passado, mas também houve aumentos no etanol (4,50%), gás veicular (2,06%) e óleo diesel (1,79%). (O Estado de S. Paulo/Daniela Amorim, Cícero Cotrim, Guilherme Bianchini, Luciana Xavier e Thais Barcellos)