O Estado de S. Paulo/Cleide Silva
Acreditar que o aumento da frota de veículos elétricos no Brasil pode resultar em risco de apagões é uma visão míope, diz Rodrigo Aguiar, sócio-fundador da Elev, empresa de projetos voltados à mobilidade elétrica, e diretor do departamento de energia da Fiesp. Ele defende a criação de um programa “sério” de mobilidade elétrica para o País.
- Vale a pena falar de troca de carros a combustão por elétricos diante da alta de preço da energia e de uma crise hídrica?
Vale, por tudo o que envolve o veículo elétrico, começando pela questão da sustentabilidade, pela necessidade de redução de emissões de CO2, em razão da mudança climática. É preciso começar agora a pensar num horizonte maior, antes que o planeta chegue a um processo quase irreversível.
- O tema da sustentabilidade é suficiente para que o consumidor compre um carro mais caro?
De fato, o carro elétrico hoje é bem mais caro. Mas há estudos mostrando que o custo se paga em poucos anos, dependendo de como o veículo é usado. O gasto com combustível é muito inferior, assim como o custo de manutenção.
- Ter uma frota significativa de elétricos colocaria em risco o fornecimento de energia?
Estudo feito pela Anfavea (associação das montadoras) indica que, num cenário otimista, de convergência com o que o mundo está fazendo, as vendas de elétricos no Brasil poderiam chegar a 1,3 milhão de unidades em 2035. Essa frota consumiria 1,5% de tudo o que é gerado hoje em energia elétrica.
- Há riscos de sobrecarga, caso muitos donos carreguem as baterias ao mesmo tempo?
O Brasil tem condições de compensar eventual aumento de consumo com projetos de geração de energia eólica e fotovoltaica. Dizer que mais carros elétricos poderiam causar apagões é uma visão míope e irresponsável. Ao menos 15% de toda a energia elétrica consumida no País é desperdiçada, seja por uso de equipamentos obsoletos ou processos produtivos equivocados. Isso equivale a quase R$ 30 bilhões desperdiçados todo ano. São necessárias ações para reduzir o desperdício. O Brasil só vai ser grande se planejar suas ações, pois, se continuar nessa coisa de apagar incêndios, de querer resolver tudo em cima da hora, não vamos sair de onde estamos.
- Por enquanto, nenhuma montadora tem planos de produzir elétricos no Brasil, certo?
Uma parte é porque a carga tributária é muito pesada. Alguns Estados e municípios estão criando benefícios, mas o imposto federal não mudou, e isso precisa ser revisto. Além disso, a previsão é que o preço dos combustíveis fósseis aumente daqui para frente, enquanto o da energia tende a cair. Também a cada renovação a autonomia dos elétricos será maior, e isso também reduz custos. É preciso pensar numa espiral positiva, criar infraestrutura, reduzir a base de impostos e ter uma indústria automobilística pujante, com volume grande de empregos. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)