Carro elétrico é realidade para o brasileiro

O Estado de S. Paulo

 

Com preços que variam de R$ 150 mil a R$ 1,18 milhão, a oferta de veículos eletrificados (híbridos – com motores elétrico e a combustão – e elétricos “puros”) ainda é para poucos, mas há mais de 200 versões à disposição do consumidor no Brasil. A previsão de vendas para este ano aumentou de 28 mil para 30 mil unidades, alta de 52% em relação a 2020. O elétrico mais vendido no primeiro semestre foi o Porsche Taycan 4S, com 154 unidades, a R$ 910 mil cada. Incluindo os híbridos, o campeão é o Corolla Cross XRX híbrido-flex, com 3.157 unidades. A Toyota é a única montadora que produz automóveis eletrificados no País.

 

Com 1,4% de participação nas vendas totais deste ano, veículos eletrificados (híbridos e elétricos) começam a aparecer mais no portfólio das montadoras e das importadoras. Há mais de 200 opções de modelos em oferta e vários lançamentos estão ocorrendo – o mais recente deles foi o Fiat 500e, primeiro com tecnologia elétrica da marca.

 

A previsão de vendas para este ano da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) aumentou de 28 mil para 30 mil unidades, alta de 52% em relação a 2020. O mercado total de automóveis e comerciais leves deve crescer 12%, segundo espera o setor. “Em 2022, o mercado de eletrificados deve dobrar de tamanho”, prevê Murilo Briganti, sócio da Bright Consulting.

 

Até julho, foram vendidas 17.524 unidades, sendo 16.602 híbridos e 922 elétricos. Estudo apresentado pela Anfavea (associação das montadoras) estima que em 2035 a participação de carros eletrificados deve representar de 32% a 62% das vendas, dependendo de cenários que incluem, por exemplo, participação de governos na promoção dessa tecnologia.

 

O empresário Guilherme Juliani, de 41 anos, partiu para seu primeiro elétrico há quatro meses, e já decidiu que “nunca mais vai voltar para carros a combustão”. Seu Nissan Leaf tem autonomia para rodar 250 km com a bateria cheia, e ele instalou um carregador em sua casa. Ele costuma rodar mil quilômetros por mês e, antes, gastava em média R$ 1 mil com gasolina. “Com o elétrico, a conta de energia foi de cerca de R$ 400.”

 

Sua opção pelo elétrico ocorreu porque queria testar a tecnologia antes de adotá-la na frota de sua transportadora, a Moove+, de São Bernardo do Campo (SP). “Adquirimos um caminhão elétrico da JAC Motors e 70 bicicletas elétricas”, diz. Ele quer ampliar o uso de eletrificados na frota de 4 mil veículos que prestam serviços para a empresa.

 

Corrida

 

Entre as montadoras, apenas Hyundai e Volkswagen não têm, no momento, modelos eletrificados à venda, mas ambas prometem novidades. Essa “corrida” das montadoras também tem a ver com a obrigatoriedade de cumprir metas de eficiência energética que começam a valer em 2022. Cada carro elétrico conta quatro vezes mais pontos que um a combustão na hora de verificar se os índices estabelecidos no programa Rota 2030 foram atingidos.

 

A oferta de eletrificados ainda é elitista, com preços que variam de R$ 150 mil (JAC JS1 elétrico) a R$ 1,18 milhão (MB AMG GLE 63 híbrido). O elétrico mais vendido no primeiro semestre foi o Porsche Taycan 4S, com 154 unidades, a R$ 910 mil cada.

 

Incluindo os híbridos, o campeão é o Corolla Cross XRX híbrido-flex, com 3.157 unidades. A Toyota é a única montadora que produz automóveis eletrificados no Brasil. “Pelo menos até 2030 não enxergamos possibilidade de produção local de elétricos”, afirma Briganti.

 

Mesmo caros, os eletrificados têm atraído seu público-alvo. O esportivo Audi RS e-tron GT elétrico, que custa R$ 950 mil, teve as 15 unidades colocadas à venda em maio esgotadas em 24 horas. Em abril, 300 unidades do XC40 elétrico oferecidos pela Volvo por R$ 390 mil foram vendidas em 15 dias. A empresa negociou mais 150 unidades com a matriz e quase todas também já foram compradas.

 

Silêncio

 

Rodando com um Volvo XC60 híbrido plug-in há três meses, o arquiteto Paulo Naccache, de 73 anos, afirma que aprecia o silêncio do modelo, a performance e o torque. Ele conta que se decidiu por essa tecnologia porque quer ser um dos “agentes da mudança de tecnologia” que ocorre em todo o mundo.

 

O carro tem 40 km de autonomia rodando só no modo elétrico e Naccache faz a recarga em casa. Segundo ele, o custo do quilômetro rodado a eletricidade equivale a 25% do custo da gasolina. “É muito econômico, principalmente no uso urbano”, diz o morador da capital paulista.

 

O presidente da ABVE, Alfredo Maluf, diz que boa parte das vendas está direcionada a frotistas, locadoras e empresas. No segmento de comerciais leves e caminhões, também há alta significativa nas vendas pois muitas empresas, para atenderem a critérios de ESG, estão substituindo a frota por veículos elétricos.

 

Só a Ambev tem intenção de comprar 2,6 mil caminhões elétricos da Volkswagen – que tem produção em Resende (RJ) – e da Fábrica Nacional de Mobilidade (FNM), com linha de montagem em Caxias do Sul (RS). Também estão adquirindo esse tipo de veículo a DHL, Lojas Americanas, Mercado Livre e Viveo.

 

Também há novos movimentos para a produção local de ônibus elétricos, com o anúncio na semana passada da Mercedes-Benz, que vai fabricar chassis elétricos no ABC paulista.

 

Maluf ressalta, contudo, que o Brasil está ficando para trás em relação ao mundo na eletrificação. Para ele, as principais dificuldades para o mercado local são os altos impostos e a falta de política de incentivos (não necessariamente tributários). “Mas o maior gargalo é a ausência de uma política ambiental.”

 

Igual preocupação tem o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes. Se a projeção de participação nas vendas em 2035 se confirmar, serão vendidos cerca de 1,3 milhão de eletrificados no País. “É impossível atender a esse volume só por meio de importação”, diz. “Temos de nos preparar para um novo ciclo de investimentos.” Para ele, é preciso que o setor público e o privado se unam para definir prioridades, inclusive para o uso de biocombustíveis nessa transição, e para criar uma política clara de longo prazo para os elétricos.

 

Foco em serviços e infraestrutura une empresas

 

Empresas e startups brasileiras começam a formar um ecossistema que envolve infraestrutura e serviços para a frota brasileira de carros elétricos e híbridos, hoje de cerca de 59 mil automóveis, mas com viés de alta.

 

Infraestrutura para recarga é uma das urgências do mercado de elétricos, principalmente para dar segurança aos usuários. No último trimestre de 2020, a rede Estapar, com 650 estacionamentos em quase todo o País, criou a Ecovagas, serviço de vagas com carregadores elétricos.

 

André Iasi, presidente da empresa, explica que o cliente paga o valor do estacionamento e pode recarregar a bateria gratuitamente. O grupo tem parcerias com Volvo e Stellantis, e quem tem carro dessas marcas tem vantagem no uso do serviço.

 

A rede tem 200 pontos de recarga em dez Estados. “Até o fim de 2022, vamos triplicar o número de postos”, diz Iasi.

 

Não há dados oficiais sobre os postos de recarga no País. Segundo a ABVE, há 700 pontos públicos. O número é maior se forem incluídos pontos instalados por montadoras e empresas de energia em shoppings, concessionárias e redes de serviços.

 

Criada há três anos, a Atlas Power desenvolve soluções de armazenamento de energia em baterias, em especial a solar. O fundador Diogo Seixas explica que a meta é trabalhar com projetos de segunda vida das baterias, que consiste no reuso em outras aplicações após a retirada dos automóveis.

 

Segundo ele, as baterias de lítio duram de 15 a 20 anos nos automóveis e, após serem retiradas, podem ser usadas na geração de energia estacionária em residências e comércios por mais 10 a 15 anos. Após esse período, vão para a reciclagem, outro processo que vai se transformar em novos negócios.

 

“Por enquanto, como o mercado de carros elétricos no Brasil é novo, não há disponibilidade de baterias de lítio usadas”, diz Seixas. Por isso, o foco da Atlas no momento é colocar no mercado bancos de baterias (packs) para uso residencial, comercial e industrial com carregamento de energia solar.

 

A Ucorp, startup de tecnologia e soluções de mobilidade corporativa, tem foco em veículos elétricos e desenvolve projetos para gestão e eletrificação de frotas e compartilhamento de veículos em geral. Fundada em 2019 por Guilherme Cavalcante, já criou projetos para Itaú, BMW, Mercedes-Benz, Waze, Conectcar e Enel X que envolvem serviços de compartilhamento, instalação de eletropostos e gestão de frotas. “Nossa tecnologia é 100% nacional e com valores acessíveis”. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)