Vendas de siderúrgicas crescem em ritmo chinês, apesar da alta no preço do aço

O Estado de S. Paulo

 

No mundo peculiar da indústria siderúrgica, no qual se fala um dialeto que inclui termos como alto-forno, aciaria, bobina a quente e vergalhão, os executivos costumam abrir as suas apresentações aos leigos discorrendo sobre a estreita correlação existente entre a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e o consumo de aço no País. “O aço e o PIB andam juntos”, afirmam.

 

Mas, quando se compara o desempenho do setor e o da economia como um todo nos últimos meses e as perspectivas que se desenham para o futuro imediato, a correlação entre os dois indicadores não se mostra tão próxima quanto se diz. Embora a atividade econômica esteja ganhando tração e alguns analistas já projetem um crescimento de cerca de 5% para o PIB neste ano, desmentindo as previsões catastrofistas que pipocavam por aí até algumas semanas atrás, o mercado de aço está crescendo em ritmo chinês, superando, de longe, a performance média da economia.

 

Segundo os dados mais recentes do Instituto Aço Brasil, a entidade que reúne as siderúrgicas do País, a produção de aço bruto deverá crescer 11,3% em 2021, mais que o dobro das previsões mais otimistas feitas para o PIB. Hoje, de acordo com dados do instituto, as usinas estão operando com 75% da capacidade instalada, em nível superior aos 63% do período pré-covid.

 

Puxadas pelo aumento do consumo dos setores de máquinas e equipamentos, construção civil, eletroeletrônico e veículos, especialmente caminhões, todos com crescimento muito acima do PIB, as vendas no mercado interno alcançaram 7,9 milhões de toneladas de aço no primeiro quadrimestre, superando o resultado de 2013, considerado o pico do setor, no mesmo período. Isso em cima de um crescimento de 3,5% registrado em 2020, já em meio à pandemia. “Estamos batendo recorde atrás de recorde”, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo da entidade. “Ninguém acreditava quando o ministro Paulo Guedes dizia que a retomada viria em ‘v’, mas foi o que acabou acontecendo.”

 

Esse desempenho parece ainda mais impressionante quando se leva em conta que, além de ocorrer em plena pandemia, ele se dá num cenário de explosão dos preços do aço no País e no exterior, em decorrência da alta no custo do minério de ferro e de outras matérias-primas e da mudança de posição da China no mercado, reduzindo as exportações e aumentando as importações do produto.

 

Um levantamento realizado para o Estadão pela S&P Global Platts, uma empresa de informações econômicas e financeiras que acompanha o setor com lupa, aponta que o preço médio por tonelada de aço plano (bobina à quente), utilizado em produtos da linha branca, eletroeletrônicos e veículos, subiu nada menos que 172,4% em reais nos últimos 12 meses, enquanto o preço do aço longo (vergalhão), usado na construção civil, aumentou 153,3%.

 

Até pouco tempo atrás, quando o dólar estava em alta, parte da explicação para a alta dos preços, que seguem parâmetros internacionais, recaía sobre o câmbio. Mas, com o dólar acumulando uma queda de 3,6% em relação ao real de junho de 2020 até maio de 2021, o efeito cambial já não entra mais na conta. “A alta de preços do aço é um fenômeno mundial”, afirma Carlos Loureiro, presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), “Se a produção está aumentando e o preço está subindo, é porque há consumo.”

 

Exportações em queda

 

Para atender o mercado interno, que até agora se mostra surpreendentemente resiliente ao salto nos preços, apesar da gritaria crescente dos grandes consumidores, as siderúrgicas reduziram as exportações, que haviam caído drasticamente em abril e maio de 2020. Ao mesmo tempo, houve um aumento considerável nas importações, que dobraram nos primeiros quatro meses de 2021 em relação ao mesmo período do ano passado.

 

Ainda assim, num quadro que lembrava, de certa forma, o Plano Cruzado, implementado em 1986, quando a demanda explodiu e houve falta generalizada de produtos, mesmo com a cobrança de ágio para burlar o congelamento de preços, algumas montadoras de veículos chegaram a paralisar parte da produção por falta de aço e de outros insumos, no fim de 2020 e no começo deste ano. Construtoras e fabricantes de máquinas e equipamentos e de aparelhos eletroeletrônicos enfrentaram problemas semelhantes.

 

Ainda hoje, apesar de haver maior equilíbrio entre a oferta e a demanda e de não existir tabelamento de preços, há relatos de falta de aço na praça, em especial por parte de representantes da construção civil. Os prazos de entrega das encomendas se alongaram e os estoques dos distribuidores de aço, que vendem para os consumidores de pequeno e médio portes que não conseguem comprar diretamente das usinas, ainda estão 20% abaixo da média pré-pandemia. Temendo falta de produtos e novas altas de preços, muitas empresas passaram a fazer estoques preventivos, o que acaba por agravar o problema. Outras ainda estão tentando recompor os estoques desovados no auge da crise para fazer caixa e enfrentar a queda brusca na demanda.

 

“As siderúrgicas dizem que estão produzindo mais do que nunca, mas você conversa com os empresários e vê que eles não conseguem o produto de que precisam”, diz o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. Alegando a necessidade de haver um “choque de oferta” de aço no País, para acabar com o ‘desabastecimento”, ele apresentou um pedido ao Ministério da Economia para reduzir a alíquota de importação do aço de 12% para 1% pelo prazo de seis meses, prorrogáveis por mais seis, mas a proposta até agora não foi para a frente.

 

Lopes, do Instituto Aço Brasil, nega que haja desabastecimento hoje e diz que Martins é o único representante dos grandes consumidores do produto no País que afirma ainda haver problemas de oferta no mercado. “Eu pedi a ele para mapear os locais em que está havendo desabastecimento e disse que, se isso não fosse resolvido em três dias, iria com ele ao governo e o ajudaria a pedir redução do Imposto de Importação”, afirma. “Pergunta se apareceu alguma identificação de desabastecimento. É claro que não. A gente está acompanhando de perto o mercado e não observamos problemas de abastecimento.”

 

Preços elevados

 

Mais que o desabastecimento, o grande problema hoje parece ser mesmo a escalada dos preços e o impacto que ela pode ter nos produtos que usam o aço como insumo e nas compras do consumidor final. A própria construção civil, que costuma vender imóveis com preço fechado e só depois iniciar a produção, talvez seja a área mais atingida pela questão e ainda busca formas de equacioná-la. Mas os setores de máquinas e equipamentos, eletroeletrônicos e veículos também estão sendo atingidos e já começam a projetar uma queda nas vendas se os preços não cederem, por não ter como absorver uma elevação nos custos dessa magnitude.

 

“A gente está muito preocupado”, diz José Jorge do Nascimento Júnior, presidente executivo da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), que reúne as maiores indústrias de eletroeletrônicos de consumo do País. Ele diz que o setor está operando com quase 100% da capacidade instalada e teme os efeitos que a alta dos insumos possa ter na produção e nas vendas. “Não estamos conseguindo mais absorver esse aumento e estamos repassando para o preço final. Isso poderá levar a uma estagnação ou a uma queda na demanda.”

 

No setor de máquinas e equipamentos, que está “bombando”, com crescimento de 28% no primeiro trimestre do ano, de acordo com dados do IBGE, há um movimento em curso para facilitar as importações de aço pelas empresas. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso, conta que, no fim de maio, promoveu uma primeira reunião de 55 fabricantes com representantes de um grande grupo siderúrgico internacional, para discutir formas de favorecer as importações, e pretende organizar outros encontros do gênero nas próximas semanas.

 

Na visão de Velloso, apesar da demora de cinco meses entre a realização do pedido e a entrega do produto aos compradores “vale a pena importar”. Segundo ele, o produto importado da China chegaria ao Brasil, já incluindo o frete, que subiu 240% desde o início da pandemia, e o Imposto de Importação, de 12%, mais barato do que o aço produzido aqui. (O Estado de S. Paulo/José Fucs)