“O carro voador precisa custar até US$ 600 mil”

O Estado de S. Paulo

 

Desde o começo do mês, os papéis da Embraer no mercado financeiro subiram 15,7%. O salto começou com a encomenda de 200 unidades do veículo elétrico de pouso e decolagem vertical (ou EVTOL, como é chamado o “carro voador” na sigla em inglês), por uma companhia dos Estados Unidos e da Europa. Depois, a Embraer comunicou novo pedido, de mais 50 unidades, e informou negociar com a americana Zanite a capitalização da Eve, sua subsidiária que desenvolve a aeronave.

 

A Embraer fala pouco sobre o EVTOL, mas, segundo o presidente na época da criação do projeto, Paulo Cesar de Souza e Silva, o desenvolvimento custa cerca de US$ 300 milhões. Hoje conselheiro da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Silva prevê que o veículo comece a operar entre 2025 e 2026, mas enfrentará desafios até lá, entre eles remunerar toda a cadeia, desde fabricantes da aeronave até os donos do imóvel onde o EVTOL pousará. Para operar como um táxi aéreo bastante demandado, não poderá custar mais de US$ 600 mil.

 

  • A Embraer teria condições de desenvolver um EVTOL sozinha?

Até dois anos atrás, teria. Agora está com um caixa mais apertado. O endividamento é elevado, US$ 4,4 bilhões, e a geração de caixa, baixa. O caixa (US$ 2,5 bilhões no primeiro trimestre) em si é bom, mas a dívida é alta. Sempre tivemos mais caixa do que dívida. Essa equação mudou. Com poucas entregas por causa da covid, a empresa não tem recursos para investir por conta própria como tinha no passado. Precisa buscar um parceiro. Essa empresa (Zanite, com quem a Embraer negocia) levantou US$ 232 milhões no mercado. Teoricamente, esse dinheiro é para a parceria com a Eve.

 

  • Qual era o orçamento do “carro voador”?

Era por fases. Quando criei o projeto, em 2017, destinamos US$ 15 milhões para pesquisas. Depois, o valor ia crescendo. A fase mais pesada ocorre quando se enxerga a possibilidade de o produto ir em frente. Imagino que o total esteja na faixa de US$ 300 milhões.

 

  • É um valor baixo quando comparado ao de outros projetos do setor aéreo.

É uma aeronave mais leve. Facilita muito. O produto é mais simples, apesar de a tecnologia ser nova. Ser autônomo hoje também não é algo extraordinário. Essa tecnologia já existe. A questão de ser elétrico tem se desenvolvido bem. Várias empresas estão trabalhando nas baterias, e isso não seria criado internamente.

 

  • Quando o projeto foi criado, previa envolver parceiros?

A gente enxergava parcerias no ecossistema, mas a ideia era levar o EVTOL para uma empresa fora da Embraer e, posteriormente, fazer o IPO (abertura de capital na Bolsa) dessa nova companhia. Para isso, criamos a Embraer X (subsidiária que concentra produtos inovadores e na qual surgiu o projeto, que passou a ser o foco da Eve).

 

  • A Embraer fala em entregar as primeiras unidades em 2026. O Uber quer operar “carros voadores” já em 2023. É factível?

Acho possível uma operação comercial em 2025, 2026. Quando começamos o projeto, a operação comercial seria em 2025. O primeiro voo teste do protótipo estava planejado para 2021 em Dubai. Mas um ponto importante para mencionar é a movimentação dentro da FAA (Federal Aviation Administration, órgão americano que regula a aviação civil). O fato de a FAA estar trabalhando com afinco nesse projeto é um indicativo forte do interesse nele.

 

  • Quais os maiores desafios para o projeto do EVTOL?

Você tem de encontrar os vertiports (os locais de pouso de decolagem do veículo), que não podem ser em um prédio qualquer. Tem de ser em shopping center, por exemplo. Esses vertiports têm de ter toda a infraestrutura para carregar a bateria entre uma decolagem e outra. Mais para frente, os EVTOLS devem ser autônomos: precisará haver uma aceitação dos consumidores. Um outro grande desafio é a parte econômica. Quem vai ganhar quanto. Vai precisar dividir com o fabricante, com o financiador, com o dono do imóvel do vertiport, com a assistência técnica, com a equipe de embarque e desembarque. Imagino que a máquina deveria ter um custo entre US$ 500 mil e US$ 600 mil, no máximo. Um dos grandes pontos contra o projeto neste momento é o piloto. O piloto tem um custo elevado. O modelo só fica eficiente quando o EVTOL é autônomo.

 

  • Centenas de EVTOLS estão sendo projetados no mundo todo. Quão preparada está a Embraer para essa corrida?

A Embraer está muito bem posicionada. Muitas dessas empresas que querem desenvolver não sabem o que é certificar uma aeronave. Uma coisa é fazer um drone um pouco mais pesado, para carregar uma caixa. Agora, fazer um veículo com gente dentro exige uma certificação muito mais complexa. Exige experiência. O EVTOL tem de ter uma capacidade de despachar muito alta. A Embraer sabe fazer isso.

 

  • Boeing e Airbus também têm projetos de EVTOL.

A Boeing está em crise (em decorrência dos acidentes com o Boeing 737 MAX em 2018 e 2019, que mataram 246 pessoas). A Airbus tem essa capacidade, mas parece que ela está mais interessada em penetrar no mercado de avião híbrido (com motor elétrico). (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)