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Em 2021, quem vende caminhões no Brasil viu, em número de vendas, a tal da “recuperação em V”. Segundo dados da Anfavea, entre janeiro e abril deste ano, foram licenciados 35.862 caminhões, alta de 48% em relação ao mesmo período de 2020 – e de 19,5% em relação ao período de janeiro a abril de 2019. De acordo com as montadoras ouvidas pela EXAME, as razões para a alta envolvem a combinação de safra recorde e alta do dólar, além de baixas taxas de juros, que motivaram a renovação de frotas.
Todo esse crescimento esconde uma preocupação em comum das montadoras: a falta de insumos para a produção dos veículos, diante de uma demanda tão alta, especialmente de semicondutores – que passaram a ser vendidos principalmente para a produção de eletrônicos, segundo a Volkswagen Caminhões e Ônibus.
“Temos confiança no crescimento do setor, impulsionado principalmente pelo bom momento do agronegócio. Contudo, a combinação de incerteza em relação ao cenário futuro da covid-19 no Brasil, somada à escassez de semicondutores, podem impedir que o crescimento do nosso setor atinja seu pleno potencial”, afirma Roberto Cortes, presidente e CEO da empresa.
Para entender essa crise, é necessário lembrar que a Renesas Electronics, uma das principais fabricantes de chips para o setor automotivo global, enfrentou um incêndio que paralisou por um mês a produção do componente, utilizado em painéis, motores e na transmissão do veículo. Soma-se a isso a já instaurada crise global de procura pelo insumo, afetada principalmente pela paralisação das fábricas e pela retração da demanda em 2020.
De olho em atender o setor, Cristiano Amon, CEO da Qualcomm, afirmou recentemente que a companhia pretende investir no relacionamento com o setor automotivo para fornecer semicondutores – e a companhia já possui uma divisão totalmente dedicada a cuidar das montadoras. Ainda assim, ele projeta que o encontro entre oferta e demanda não deve acontecer tão cedo: somente no fim de 2021.
Além dos semicondutores, soma-se a dificuldade causada pelo aumento do preço do aço: o produto teve variação de 46% só neste ano e de 130% nos últimos doze meses, segundo a consultoria S&P Global Platts. E, ainda, a escassez de borracha – esta última, causada por fatores como a retomada repentina do crescimento e uma doença que ataca as árvores que possuem a matéria-prima, segundo a Bloomberg.
“Enfrentamos dificuldades em toda a cadeia de fornecedores. Apesar disso, passamos por um momento um tanto ‘mágico’ com o aumento expressivo em todos os segmentos em que atuamos: nas vendas de semipesados, crescemos 79%, de pesados, 61%, e na de médios, 95%”, afirma Márcio Querichelli, líder da IVECO na América do Sul.
Alta na demanda faz com que seminovos tenham alta de preços – e fiquem mais caros do que os veículos zero quilômetro
Diante da alta demanda e da escassez de componentes, procurar até mesmo por caminhões seminovos para atender às divisões dedicadas a esses veículos está complicado. A urgência por um caminhão – que, quando novo, pode levar meses da compra até a entrega – fez com que as vendas dos usados tivessem alta de 42,5% no primeiro trimestre deste ano, segundo a OLX, plataforma de vendas de usados.
Quem atua dentro desse nicho afirma que a valorização foi tão alta que supera os preços praticados por veículos novos no mercado. “Os preços subiram 40% em relação ao mesmo período do ano passado. É um mercado bem ‘esquisito’ se pensarmos no preço, mas para quem precisa do caminhão, a agilidade é fundamental. Pagar mais caro pode valer mais do que esperar, para começar a atender os contratos que cada um possui”, diz Alcides Cavalcanti, diretor comercial da Volvo Caminhões e Ônibus.
A companhia também teve bons resultados nas vendas de produtos novos: o modelo FH 540 se manteve como o modelo mais vendido em todo o Brasil, fechando o ciclo de três anos consecutivos na liderança. Mesmo assim, a preocupação com os componentes faz com que soluções tenham de ser adotadas para manter tudo funcionando.
“Projetamos crescimento de 40% em 2021, mas é claro que observamos os problemas enfrentados pelo setor. Além dos problemas com componentes, temos também desafios com a logística, já que a redução de navios para a América Latina, ainda como reflexo da pandemia, faz com que tenhamos de trazer peças importadas pelo frete aéreo, que é muito mais caro”, afirma Cavalcanti, da Volvo. Ele ressalta que esses fatores comprometem a margem da empresa e do setor, mesmo com o eventual repasse de parte dos custos para os consumidores.
Apesar das dificuldades, as perspectivas do setor ainda se mantêm positivas: estimativas da Anfavea mostram que a produção de caminhões pesados deve crescer 23% em 2021, mesmo com os desafios enfrentados no país, em relação às consequências da covid-19. As dificuldades enfrentadas pelo setor podem atrasar esse crescimento, mas, ao que tudo indica, enquanto as commodities estiverem enfrentando um bom momento, montadoras terão “um bom problema”: atender a uma demanda que cresceu e deve continuar crescendo. (Portal Exame/Karina Souza)