O Estado de S. Paulo
A pandemia forçou muitas mudanças comportamentais. Algumas vieram para ficar. O trabalho remoto, por exemplo, era uma possibilidade que talvez levasse anos ou décadas para ganhar escala, mas que, pela força das circunstâncias, se mostrou amplamente viável. Isso não significa que os antigos modelos tenham sido abolidos. Simplesmente foram complementados com novas possibilidades. Na mobilidade urbana não foi diferente. O Summit Mobilidade 2021 do Estado refletiu esses novos horizontes.
Com a necessidade do distanciamento social e de evitar espaços fechados, os percursos se tornaram mais curtos e individualizados na pandemia. Deslocamentos a pé, de bicicleta e outros modos da chamada “mobilidade ativa” ganharam espaço. Um dos temas mais debatidos no summit foi o da cidade compacta, ou, segundo a fórmula popularizada pela prefeitura de Paris, a “cidade de 15 minutos”, em que os serviços ficam a esse tempo de deslocamento a pé.
Para Carlos Moreno, da Universidade Sorbonne, “podemos reinventar uma cidade policêntrica, implementar uma forma poderosa e ambiciosa para aumentar e espalhar por todos os distritos todas as possibilidades para acessar múltiplos serviços”. Segundo ele, quatro pilares podem ajudar uma cidade a ser mais sustentável: a ecologia, a proximidade, a solidariedade e o empoderamento “para que os habitantes possam transformar nossas praças, jardins e espaços”.
O debate passa por âmbitos como “os fluxos, questões como o teletrabalho e delivery, reforço da economia local. Não se pode falar de mobilidade só no contexto de prover transporte”, disse a diretora de Desenvolvimento da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, Larissa Campagner.
“A discussão da mobilidade tem de passar por uso e ocupação do solo, diminuir distâncias, como levar mais trabalho para as áreas periféricas da cidade, ciclovias, calçadas, política habitacional, debates sobre novas tecnologias e como estão ligadas à agenda ambiental. Temos de integrar diferentes atores e olhares inovadores para a cidade.”
Na opinião do consultor Sergio Avelleda, “precisamos desenhar cidades que reduzam o tempo de deslocamento e nas quais o transporte coletivo seja a espinha dorsal”. A proliferação do trabalho remoto é uma circunstância favorável, porque deve diversificar os fluxos tradicionalmente concentrados na hora do rush.
Os especialistas afirmam unanimemente que os modais ativos e compartilhados devem estar integrados com o transporte público. Como disse Carlo Ratti, urbanista do MIT, o compartilhamento de carros é uma estratégia potente para reduzir o número total de carros na cidade. Nos últimos anos, os serviços de compartilhamento de carros e caronas, incluindo modelos como Uber e 99, vêm crescendo.
Tecnologias de automação e inteligência artificial terão um papel cada vez mais importante, apontou a professora da UFSC Renata Cavion, seja otimizando a interação entre os usuários e os terminais de transporte, seja agilizando o fluxo de veículos. Novas tecnologias também permitem adotar medidas como o pedágio urbano, com cobranças que variam de acordo com horário e local, gerando recursos que podem ser utilizados para financiar o transporte público.
Segundo Ana Waksberg Guerrini, especialista em transporte do Banco Mundial, as inovações devem ser guiadas por dois objetivos: facilitar o acesso dos usuários, principalmente os de baixa renda, e incentivar o transporte limpo. “Para isso, não há outra forma”, diz ela, “os 30% que usam carro próprio precisam pagar mais.” Para a diretora do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Clarisse Cunha, “há espaço excessivo para garantir o carro na cidade, ao passo que hoje a gente precisa migrar o olhar para o transporte público e transporte ativo”.
A pandemia é uma oportunidade para repensar os modelos de transporte. Embora haja uma variedade de perspectivas sobre os meios, o summit mostrou que os fins parecem inequívocos: menos carros individuais e mais transporte coletivo, compartilhamento de veículos, mobilidade ativa e sistemas multimodais.
A pandemia é uma oportunidade para repensar os modelos de transporte. (O Estado de S. Paulo)