O Estado de S. Paulo
O aumento dos preços internacionais da soja e, principalmente, do minério de ferro, combinado com uma retomada da economia mundial, fez as exportações brasileiras para a China dispararem ainda mais e atingirem o maior nível da história para os meses de janeiro a abril. Nos primeiros quatro meses do ano, o País já exportou o equivalente a US$ 27,63 bilhões para os chineses, o maior valor na série histórica para o mesmo período. O número representa um aumento de 36% em relação ao mesmo período do ano passado.
Com o crescimento, o Brasil aprofunda mais sua dependência do mercado chinês. O país asiático é hoje o destino de 34% dos produtos brasileiros, nível mais alto da história e mais que o triplo das vendas para os EUA (10%), o segundo maior importador. No ano de 2001, que marcou a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, 24% das exportações brasileiras tinham como destino os EUA e apenas 2%, a China.
Ao mesmo tempo, o governo Jair Bolsonaro continua a criticar os chineses, o que traz preocupações ao mercado. No episódio mais recente, no início deste mês, o presidente insinuou que o país asiático poderia ter criado o coronavírus propositalmente, como parte de uma “guerra química”. “As críticas do presidente só não prejudicam mais o comércio porque a China não tem um fornecedor alternativo ao Brasil”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Alta de preços
O crescimento do primeiro quadrimestre foi puxado principalmente pelas exportações de minério de ferro, cujo preço da tonelada nos mercados internacionais passou de US$ 80 para mais de US$ 200 em um ano. Com isso, as vendas do produto para a China tiveram uma alta de 96%, somando mais de US$ 7,6 bilhões de janeiro a abril.
As exportações de soja e petróleo para a China também subiram, mas em um nível menor (22% e 27%). Juntos, os três produtos correspondem a 81% de tudo que o País exporta para a China. “O Brasil tem produtos competitivos e uma taxa de câmbio favorável. Os exportadores ganham mercado onde é possível. Assim, a China vai continuar sendo o principal destino”, diz Mário Cordeiro, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
A maior demanda por commodities com preços elevados já faz especialistas preverem um ano excepcional para o setor externo. Em relatório obtido pelo Estadão, a AEB estima um superávit comercial recorde de US$ 79,8 bilhões de dólares para 2021, superando o nível em 2017 (US$ 67 bilhões). “Temos uma situação favorável. Tudo vai crescer em relação ao ano passado, que foi mais fraco”, diz Castro. “O problema é que temos de rezar todo dia para que a demanda na China continue bem.”
O crescimento da China como compradora de produtos brasileiros também tem elevado a participação das commodities nas exportações brasileiras, e a uma redução dos produtos manufaturados.
De acordo a AEB, todos os dez principais produtos exportados pelo Brasil são commodities agrícolas e minerais, e a China é a maior compradora de seis desses produtos (soja, minério de ferro, petróleo bruto, carne bovina, carne de aves e celulose). Castro lembra que 75% das exportações brasileiras são commodities, enquanto 85% das importações são de produtos da indústria de transformação.
Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior (2007-2011) e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados, o aquecimento das exportações no Brasil tem relação com os preços em alta, e não necessariamente com um maior volume. “Havia uma demanda reprimida e a economia chinesa teve uma rápida recuperação. Além disso, problemas com a oferta do minério de ferro fizeram os preços subirem”, diz Barral.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que a China, principal parceiro comercial do Brasil, entrou na agenda ambiental positiva “há pouco tempo e para valer” e isso terá reflexos no agronegócio brasileiro. “O assunto (meio ambiente) não era um tema do nosso cotidiano”, afirmou Tereza Cristina, em entrevista exclusiva ao Estadão/broadcast. “Mas fiquei muito bem impressionada com o discurso do novo ministro da Agricultura da China”, comentou.
Na última quinta-feira, a ministra participou do “Diálogo Brasilchina sobre Agricultura Sustentável”, promovido pelo Conselho Empresarial Brasil-china. Na ocasião, o ministro da Agricultura e Assuntos Rurais da China, Tang Renjian, afirmou que o governo chinês acredita haver enorme potencial para explorar a agricultura sustentável. “Queremos injetar um novo ímpeto no Brasil para alcançar a agricultura mais sustentável. O Brasil é o primeiro país a criar parceria estratégica com a China para desenvolvimento sustentável e maior parceiro no comércio de produtos agrícolas”, disse o ministro.
Segundo Tereza Cristina, ficou claro que o ministro chinês quer conhecer mais o que está sendo feito no agronegócio brasileiro em termos de sustentabilidade e “como funciona a agricultura sustentável praticada aqui”. Ela acrescentou ser “muito positivo” o interesse do gigante asiático e que, “de repente, se começa uma mudança aqui (em direção a uma maior sustentabilidade) por outro continente”. “Eles (os chineses) têm muito a mitigar, e nós temos muito a oferecer.”
Ela lembrou que a China tem a responsabilidade de tirar da pobreza parte da sua população e, além disso, já há uma grande população, principalmente no continente asiático, “comprando mais e melhorando a alimentação, e o Brasil está pronto (para atender) isso”. “Temos no Brasil mais de 90 milhões de hectares de pastos degradados, e boa parte disso pode ser incorporada à agricultura sem mexer com nada”, disse, referindo-se ao fato de não ser necessário desmatar para expandir a agricultura no País. “São áreas antropizadas há muitos anos, sem investimento em terras que têm aptidão agrícola e pecuária e, além disso, quanto à aptidão pecuária, também há muito o que pode ser melhorado”, afirmou.
Independentemente de a China exigir mais sustentabilidade na produção agropecuária brasileira, ressalvou, “isso é uma coisa que todo mundo exige”. “Mas temos que mostrar (para os chineses) que vamos trabalhar cada vez mais juntos. Aliás, esse compromisso (com os chineses por um agro mais sustentável) é muito alinhado com o que o Ministério da Agricultura já faz; estou muito empolgada, por exemplo, com o CAR dinamizado.”
Ela se referiu à ferramenta recém-lançada pela pasta para agilizar as análises e validações de mais de 6 milhões de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) e, como passo seguinte, garantir que os produtores rurais com pendências ambientais possam aderir aos Programas de Regularização Ambiental (PRA).
Plano Safra
Em relação ao Plano Safra 2021/22, em discussão no governo federal para a safra, que se inicia oficialmente em 1.º de julho, Tereza Cristina disse que quer um “Plano Safra mais verde para todos”, ou seja, com forte viés agroambiental. “Estamos com algumas propostas que não posso dizer agora porque estamos aguardando para bater o martelo, mas vão no sentido de programas de manejo mais sustentáveis.”
Para a pecuária, ela lembrou que o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que tem linhas de crédito subsidiadas contempladas no Plano Safra, já atende o segmento em busca da sustentabilidade. Por isso a discussão atual é a busca de “modelos de pecuária mais sustentáveis”. “Temos conversado muito com produtores e com a Embrapa, para que os modelos pecuários sustentáveis possam ser mais massificados.”
Em relação à reivindicação por mais recursos, principalmente para equalização de juros no próximo Plano Safra – que depende de aprovação do Ministério da Economia–, Tereza Cristina se disse otimista. “Afinal, somos um segmento que tem puxado a economia do Brasil”, afirmou. “Mas temos problemas fiscais, e a gente entende isso”, continuou e acrescentou que a Lei do Agro tornou possível o financiamento com recursos não oficiais e “trouxe muitas oportunidades de investimentos para produtores competitivos”.
“Temos de mostrar (para os chineses) que vamos trabalhar cada vez mais juntos. Aliás, esse compromisso (com os chineses por um agronegócio mais sustentável) é muito alinhado com o que o Ministério da Agricultura já faz”, Tereza Cristina, Ministra da Agricultura. (O Estado de S. Paulo/Filipe Serrano)