Em 8 anos, Ford perdeu R$ 10 mil por carro que vendeu no País

O Estado de S. Paulo

 

Um século atrás, Henry Ford veio ao Brasil e estabeleceu a cidade de Fordlândia, na esperança de se tornar um barão da borracha da Amazônia, mas desistiu depois da operação registrar forte prejuízo. Agora, a montadora que ele fundou está mais uma vez abandonando o País, após queimar cerca de R$ 61 bilhões na última década.

 

A Ford anunciou o fechamento de suas fábricas no Brasil em janeiro, desferindo um duro golpe contra seus mais de 5 mil trabalhadores e quase 300 concessionárias no País.

 

Até a decisão de desistir de produzir no Brasil, a Ford havia queimado R$ 39,5 bilhões, a maior parte em prejuízos acumulados, mas também com algumas injeções de dinheiro, de acordo com documentos arquivados na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp).

 

Some-se a isso os US$ 4,1 bilhões (equivalente a R$ 21,7 bilhões) que a Ford vai desembolsar para se livrar de seus compromissos no País, e o preço da operação brasileira sobe para R$ 61 bilhões.

 

Quase todas as perdas e injeções de dinheiro ocorreram nos últimos oito anos, quando a empresa teve um prejuízo de mais de R$ 10 mil em cada carro que vendeu, indicam cálculos da agência Reuters com base em registros e dados de vendas. A Ford, que não separa o Brasil da América do Sul em seus resultados financeiros, não quis comentar sobre os prejuízos, injeções de dinheiro e cálculos da agência de notícias.

 

A pandemia prejudicou as finanças da companhia, mas os problemas da Ford também refletem, em parte, um erro estratégico que a deixou atrás de seus rivais na transformação de sua linha de carros compactos não lucrativos em SUVS de margem mais alta, de acordo com meia dúzia de fontes familiarizadas com a operação brasileira da empresa.

 

A Ford elaborou um plano para focar nos utilitários esportivos (SUVS), mas foi muito lenta em implementá-lo, disseram as fontes. “Não havia outras opções viáveis”, disse Lyle Watters, presidente executivo da Ford para a América do Sul à Reuters em comunicado sobre a decisão da empresa em parar de produzir no Brasil.

 

Watters, que iniciará em julho uma nova função na Ford na China, citou um “ambiente econômico desfavorável, menor demanda de veículos e grande capacidade ociosa da indústria” para a retirada do Brasil. Ele se recusou a comentar sobre o projeto envolvendo SUVS, dizendo que não iria “especular sobre planos de novos produtos”.

 

Operação ficou inviável mesmo com subsídios

 

A Ford não conseguiu desenvolver um negócio de produção viável no Brasil, apesar da prática de buscar subsídios fiscais, que totalizaram mais do que qualquer um de seus rivais na última década. Desde 2011, a Ford arrecadou cerca de R$ 14 bilhões em subsídios fiscais, ou um terço de todos os incentivos automotivos federais distribuídos naquele período, de acordo com cálculos da Reuters com base em números oficiais. A Ford não quis comentar sobre os benefícios fiscais recebidos.

 

Em 2013, porém, as perspectivas dos negócios começaram a mudar, à medida que os preços das commodities despencaram e arrastaram o real com ela, levando o Brasil a uma recessão profunda, agravada por escândalos de corrupção. Na época, o Brasil era o quarto maior mercado automotivo do mundo. Agora, está em sétimo lugar.

 

No fim de 2019, a Ford estava considerando a principal mudança estratégica para fabricar SUVS no Brasil e tinha três modelos planejados, segundo três fontes familiarizadas com a operação. Porém, muitos de seus concorrentes já estavam há dois anos renovando suas linhas para produzirem esses veículos localmente. “A verdade é que a Ford não conseguiu modernizar sua linha de produtos na mesma velocidade que seus rivais”, disse Ricardo Bacellar, chefe automotivo da consultoria KPMG no Brasil. (O Estado de S. Paulo)