O Estado de S. Paulo
O ano de 2021 começou positivo para a locadora de carros Movida (MOVI3). No balanço do primeiro trimestre, divulgado na noite de terça-feira (27), o lucro líquido ajustado da empresa foi de R$ 109,5 milhões, um avanço de 99% na comparação anual. O lucro total, de R$ 398,9 milhões, representou um salto de 58,2% ante igual período de 2020.
A receita líquida caiu 20,4%, em R$ 804,9 milhões, e o lucro líquido ajustado também veio em queda de 21,1% no fechamento do trimestre. Edmar Lopes, CFO da Movida, diz que o resultado tem uma justificativa “sazonal”, pois a reta final de cada ano costuma ser o período mais favorável para a empresa.
“Já enxergamos sinais de melhora. Com a flexibilização das regras de lockdown, isso rapidamente impacta no negócio, em especial no de locação. Já enxergamos uma retomada no mês de abril, principalmente entre os últimos quinze dias”, diz Lopes.
Do ponto de vista da frota total de locação (“a rent a car”, ou RAC), a queda foi de 10,2% nos três primeiros meses deste ano, para 70.213 unidades. Segundo Lopes, a paralisação das montadoras impactou no crescimento da companhia. “Se não houver um determinado nível de fornecimento de carro, não conseguimos crescer. Precisamos dessa visibilidade de entrega e neste momento ela é baixa”, diz o CFO.
Lopes avalia que a retomada da entrega das montadoras só deve ficar para o segundo semestre deste ano. Entre janeiro e março, foram adquiridos 13 mil carros. No trimestre anterior, foram 20 mil.
Sobre o caminhar de 2021, o CFO da Movida diz que as perspectivas são otimistas. Um dos destaques vai para as recentes emissões de dívida, feitas para fortalecer a liquidez da companhia, renovar a frota e alongar a própria dívida. A política de distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP) deverá ser mantida.
“Sem querer desmerecer os outros concorrentes, temos mais potencial de upside. À medida que entregarmos as nossas metas, como temos feito, deveria haver uma expansão do múltiplo da Movida e mais retorno para o acionista”, diz Lopes.
Recentemente, a Movida pediu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a reprovação da fusão entre as suas concorrentes Localiza e Unidas. Apesar de não comentar o caso, pois a empresa só se manifesta no processo, Lopes diz que independentemente da decisão do conselho, a estratégia de crescimento não será afetada.
No fechamento do pregão da última terça-feira (27), as ações eram cotadas a R$ 16,96. Em abril, os papéis MOBI3 crescem 1,25%, mas no acumulado de 2021 as perdas estão em 17,35%.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista
E-Investidor – O que justifica o aumento de lucro em quase 100% no 1º tri?
Edmar Lopes – Esses dados mostram o resultado de todo esforço feito em 2020, um ano muito complexo. Aprendemos muito e hoje a empresa é melhor do que era um ano atrás. Outro ponto é que hoje, para a RAC (locação de veículos), o impacto da pandemia é menor do que foi no ano passado, por diferentes motivos, como os negócios estarem abertos e a mobilidade de pessoas permitida.
Além disso, começamos o ano fortes. Em janeiro e fevereiro não houve nenhuma restrição porque tinham diminuído os casos de covid no País e a mobilidade estava plena. Houve algum arrefecimento agora em março, mas diferente do que foi no ano passado.
E-Investidor – Então por que o lucro encolheu em relação ao último trimestre de 2020?
Lopes – Tem um pouco de sazonalidade porque, tipicamente, o nosso melhor resultado é no quarto tri. Houve também essa perda de velocidade em março com os fechamentos, mas já estamos vendo sinais de melhora. Com a flexibilização das regras de lockdown, isso rapidamente impacta no negócio, em especial no de locação. Já enxergamos uma retomada no mês de abril, principalmente entre os últimos quinze dias
E-Investidor – Onde a companhia não conseguiu avançar?
Lopes – No crescimento. Avançamos na frota total, mas pouco e isso tem a ver com o fornecimento de carros. O desafio da companhia é as montadoras retomarem a produção e voltarem para níveis próximos do normal, para o fornecimento de carros entrar em um patamar de regularidade. Dessa forma voltaremos a crescer como antes da pandemia. Estamos mais bem preparados para isso, aprendemos durante a crise, reforçamos os canais digitais e agora dependemos do “lado de fora”.
Do ponto de vista do mercado, da demanda de aluguel, estamos muito confortáveis porque a recuperação do setor na saída da pandemia mostrou que o fundamento é muito bom, tanto do RAC, quanto do GTF (gestão e terceirização de frota).
E-Investidor – Em que medida a interrupção na entrega das montadoras afetou a companhia?
Lopes – Se não houver um determinado nível de fornecimento de carro, não conseguimos crescer. Precisamos dessa visibilidade de entrega e neste momento ela é baixa. Ainda estamos em um cenário volátil e precisamos de um pouco mais de tempo, sob a ótica das montadoras, para regularizarem a produção. Acredito que aconteça no segundo semestre.
E-Investidor – E qual foi o tamanho da queda?
Lopes – Compramos 13 mil carros neste trimestre, quando no trimestre anterior compramos 20 mil.
E-Investidor – Como a empresa está se planejando para atravessar 2021, marcado por incertezas na economia?
Lopes – Essa crise tem uma característica de ser assimétrica. Ela não é igual para todos. Se pegar o iFood, talvez tenha dobrado de tamanho. Se pegar as aéreas, estas nunca sofreram tanto. Estamos do lado bom porque toda essa questão da pandemia, e a preocupação com a saúde, reforçou o uso do carro e isso fortalece a nossa indústria. Vejo demanda e saímos mais fortes do que entramos.
Mesmo em um cenário de volatilidade, podemos crescer de 15% a 20% ao ano. O que agora nos limita é o fornecimento pelas montadoras, a nossa maior incerteza sob a ótica do crescimento.
E-Investidor – Em qual parte da operação a empresa está mais confiante: aluguéis, carros por assinatura, vendas?
Lopes – Um dos nossos melhores resultados é na receita de aluguel. Não temos dúvida de que este será um ano recorde de aluguel, tanto na linha do RAC quanto na linha do GTF. Somando as duas, vamos ter um crescimento muito importante.
Uma das alavancas de crescimento é o aluguel por assinatura, que é o contrato de longo prazo com a pessoa física, que hoje está englobado no GTF. Os planos da empresa são de continuar crescendo o aluguel de forma importante, ter uma melhora de preço e ocupação na comparação anual, de 13% praticamente. Isso é um negócio importante, a manutenção da rentabilidade. O foco e a força da companhia no longo prazo está no aluguel.
E-Investidor – Qual é a meta para este ano?
Lopes – Crescimento de dois dígitos. Queremos manter o patamar pré-pandemia, quando crescíamos entre 15% e 20% ao ano.
E-Investidor – A empresa realizou uma série de emissão de dívidas recentemente. Investidores podem esperar novas operações?
Lopes – Fizemos algumas emissões com o objetivo de reforçar a liquidez da companhia, alongar a dívida e se preparar para uma nova etapa de crescimento. Com isso, ficamos prontos para voltar a crescer como antes. No curto prazo, não deve haver mais nenhum grande movimento. A curto prazo eu me refiro ao próximo trimestre. A companhia líquida, com o perfil de endividamento cada vez melhor, mas não dá para antecipar nada. Acreditamos que já fizemos bastante coisa, e que reforçamos bastante a posição no curto prazo.
E-Investidor – Esse reforço de liquidez tem a ver com a piora da crise?
Lopes – É sempre bom ter uma posição conservadora de caixa em empresas como a nossa, de capital intensivo. Temos sido conservadores na nossa gestão, mas nesse caso tivemos uma oportunidade. O mercado ficou favorável e fomos captar o dinheiro. Não há nenhuma outra leitura que não seja preparar a companhia para atravessar eventuais cenários adversos.
E-Investidor – Recentemente, a empresa anunciou o pagamento de R$ 47 milhões de JCP. Como estão os planos para pagamento de proventos?
Lopes – Historicamente, fazemos o pagamento de JCP em bases trimestrais, de forma a dar retorno ao acionista. Usamos isso no limite da eficiência fiscal, porque isso reduz a alíquota efetiva de imposto de renda. A expectativa é continuar a usar no curto prazo, como sempre fizemos com declarações trimestrais.
E-Investidor – É possível esperar aquisições neste ano?
Lopes – Não. Estamos olhando para o crescimento orgânico da companhia. Não tem nenhuma aquisição grande no mercado para ser feita. Este ano compramos uma empresa de 1,8 mil carros chamada Vox. Finalizamos a aquisição agora, mas fundamentalmente estamos falando de crescimento orgânico.
E-Investidor – Como o senhor avalia o futuro deste mercado? A digitalização deve ter um impacto forte?
Lopes – Somos muito otimistas em relação à indústria e em relação à Movida. A sub-penetração do aluguel de carros no Brasil, principalmente pela mudança de hábito e a economia “solidária”, com a troca do uso pela posse. No caso corporativo, há cada vez mais a utilização do balanço de outras empresas para ter frota e focar no próprio negócio.
Há várias coisas acontecendo que mostram uma demanda de curto, médio e longo prazos para ser atendida no Brasil. Tem de ver como cada uma das empresas lida com esse crescimento.
Temos um foco na pessoa física, gostamos desse público e inovamos para focar nele. A pandemia acelerou todas as questões digitais, tudo que é iniciativa digital e que permita ao cliente uma transação mais simples, um relacionamento sem fricção, temos privilegiado e conseguido avançar.
E-Investidor – Algumas casas estão otimistas com o setor, com recomendação de compra e projeção de alta para as ações. Com outros dois players fortes no mercado, e que pretendem se fundir, por que o investidor deveria investir na Movida?
Lopes – Quando se olha o valuation, nós somos a empresa com mais desconto. Temos duas coisas para fazer: a expansão de lucro, que já estamos entregando, e a expansão de múltiplo.
Sem querer desmerecer os outros concorrentes, mas temos mais potencial de upside. O lucro da indústria deve crescer mais ou menos parecido e, à medida em que conseguirmos entregar nossas metas, como temos feito, deveria haver uma expansão do múltiplo da Movida e mais retorno para o acionista.
Historicamente, somos a empresa com o maior indicador de pagamento de remuneração sobre a parcela de lucro. Isso é outro atrativo. Mas as empresas estão bem. A Movida, em especial, conseguiu navegar muito bem na pandemia e o desempenho mostra isso. Já começamos a olhar a crise pelo espelho retrovisor e colocamos na agenda um cenário de crescimento mais forte, onde certamente haverá um aumento do lucro e também a expansão do múltiplo.
E-Investidor – Saindo um aval sobre a fusão de Localiza e Unidas, essa perspectiva muda?
Lopes – Qualquer que seja o resultado, não muda a nossa estratégia de crescer e a empresa está preparada para isso. (O Estado de S. Paulo/Isaac Oliveira)