Arranque em terreno inseguro

O Estado de S. Paulo

 

Com novo aumento de produção em março, o setor automobilístico, um dos mais afetados pela pandemia, continuou avançando na recuperação. Essa é uma notícia especialmente animadora, num cenário ainda marcado por muita insegurança e por muita lentidão nas ações do governo. A reativação das montadoras movimenta um grande número de fornecedores de matérias-primas, peças e componentes, com reflexos importantes no conjunto da economia. Em março, as montadoras fabricaram 200,3 mil veículos, 1,7% mais que em fevereiro e 5,5% mais que um ano antes. O total do primeiro trimestre, 597,8 mil unidades, superou por 2% o resultado de janeiro a março do ano passado. Mas o caminho da recuperação total ainda será longo.

 

Sinais positivos são visíveis também nas vendas finais, embora seja preciso olhar com algum cuidado os últimos números. Foram emplacados em março 189,4 mil autos, veículos comerciais leves, caminhões e ônibus, número 13,2% maior que o do mês anterior e 15,8% superior ao de um ano antes, segundo informou a associação dos distribuidores, a Fenabrave. No entanto, as vendas de veículos novos no trimestre, de 527,9 mil unidades, foram 5,4% inferiores às de janeiro a março de 2020.

 

O consumidor final continua reticente. Nos três meses iniciais de 2021 as montadoras venderam 462,4 mil automóveis, 6,1% menos que em igual período do ano anterior. As vendas de caminhões (33,1 mil unidades) ultrapassaram por 33,9% as de um ano antes, mas a demanda de veículos leves é essencial para a sustentação da maior parte das grandes montadoras.

 

O ingresso de novos compradores continua tendo importância vital para a movimentação do setor, mas o aperto financeiro da maior parte das famílias é uma grave limitação. Parte da poupança acumulada por essas famílias no ano passado tem sido usada, num ambiente de alto desemprego, para a sobrevivência no dia a dia. Pesquisas continuam mostrando o consumidor inseguro. Além das muitas incertezas, ele ainda teve de enfrentar nos últimos meses um forte surto inflacionário.

 

Restrições ao comércio, problemas de abastecimento de insumos e incertezas sobre a vacinação e a pandemia também continuam prejudicando o setor automobilístico, assim como outras áreas da indústria. Mas o desafio da recuperação fica mais claro quando se compara a situação atual com os quadros anteriores à crise de 2020. Em março e no primeiro trimestre deste ano as montadoras produziram mais que um ano antes, mas ainda sem voltar aos níveis de 2019 e 2018.

 

Em março de 2019 foram produzidos 240,8 mil veículos, 20,2% mais que em março deste ano. No mês correspondente de 2018 as montadoras fabricaram 267,5 mil unidades, número 33,5% superior ao do mês passado. No primeiro trimestre de 2019 foram montadas 697,8 mil unidades, ou 16,7% mais que no período de janeiro a março de 2021.

 

Em todo o ano de 2019 o total fabricado chegou a 2,9 milhões de veículos, um objetivo só alcançável em 2021 se a retomada se acelerar sensivelmente. Será preciso produzir cerca de 46,3% mais que em 2020 para repetir o desempenho do ano anterior à crise.

 

A recuperação continua sendo complicada para a maior parte dos segmentos industriais. A produção geral da indústria deve crescer 5,3% neste ano, segundo a mediana das últimas projeções captadas pela pesquisa Focus, do Banco Central (BC). Mas, pelos dados conhecidos até agora, essa é uma aposta arriscada. Em fevereiro, a indústria produziu 0,7% menos que em janeiro.

 

Foi a primeira queda depois de nove meses consecutivos de crescimento, como ressaltaram vários analistas. Mas o ritmo desse crescimento vinha diminuindo desde o meio do ano passado. A expansão chegou a 9,4% em junho, mas perdeu impulso a partir daí e chegou a 0,4% em janeiro.

 

Os sinais de melhora do setor automobilístico aparecem, portanto, num ambiente ainda marcado pelo fraco desempenho da maior parte da indústria e pelo aperto dos consumidores. Enquanto isso, a equipe econômica batalha pelo conserto de um Orçamento atrasado e imprestável, depois de um trimestre perdido. (O Estado de S. Paulo)