Montadora chinesa de carros elétricos perde dinheiro, mas pensa grande

Portal Exame

 

A General Motors e outros grandes nomes estão cada vez mais apostando que a próxima geração de carros de passeio será alimentada apenas por baterias, sem uma gota de gasolina ou diesel

 

Basta andar pela fábrica de automóveis no centro da China para que a riqueza investida na indústria de carros elétricos do país rapidamente fique evidente.

 

Fileiras de robôs – 307 deles, vindos principalmente da Suécia – estão em atividade. Eles colam painéis de alumínio leve em esquadrias de veículos usando adesivos de qualidade aeroespacial. Numa indústria em que a velocidade pode significar eficiência de custo, a linha de montagem funciona na metade do ritmo de outras fábricas.

 

Mesmo para os padrões da indústria automobilística global de US$ 1,6 trilhão, uma operação como essa não é barata. Na verdade, a operadora chinesa da fábrica, uma empresa chamada Nio, perde milhares de dólares em cada carro que faz. No ano passado, estatais juntaram entre si US$ 2,7 bilhões para resgatá-la.

 

Mas a Nio, ou empresas chinesas como ela, pode ser o futuro da indústria automobilística global. A General Motors e outros grandes nomes estão cada vez mais apostando que a próxima geração de carros de passeio será alimentada apenas por baterias, sem uma gota de gasolina ou diesel. Se assim for, a China tem investido tanto dinheiro nesse setor que poderia pisar no acelerador com facilidade.

 

Uma era de carros elétricos de qualidade para a família, custando US$ 25 mil ou menos, está prestes a começar, segundo William Li, presidente e executivo-chefe da Nio, e as montadoras chinesas conseguem fornecê-los. “Não acho que seja difícil. Não é nada demais”, disse Li.

 

Os investidores acham a Nio promissora, embora tenha apenas uma fábrica e nunca tenha dado lucro. Sua capitalização de mercado de US$ 82 bilhões supera a da GM e da Ford. Suas ações negociadas em Nova York subiram quase 30 vezes no ano passado.

 

Ela está longe de se tornar a maior fabricante de carros elétricos da China. De fato, as duas marcas mais vendidas localmente têm laços americanos: a Tesla, fabricante de veículos com preços que podem facilmente chegar a seis dígitos, e uma joint venture entre a GM e duas empresas estatais chinesas, que faz microcarros de US$ 5 mil.

 

Mas a Nio tem a vantagem de ser capaz de explorar a vasta e bem financiada cadeia de suprimentos da China para veículos elétricos. O país já tem 14 anos de investimento governamental sustentado no setor. Além disso, há mais de uma década adotou regulamentos para forçar empresas multinacionais a transferir suas melhores tecnologias elétricas para joint ventures com fabricantes chinesas como condição para entrar em seu vasto mercado.

 

A China produz de 70 a 80 por cento dos produtos químicos para baterias, além de ânodos e células. A nação controla da mesma forma a maior parte da produção mundial de ímãs de alta resistência para motores elétricos, bem como a montagem desses ímãs em motores. “A China dá as cartas na cadeia de fornecimento de baterias”, afirmou Vivas Kumar, ex-gerente de materiais de bateria da Tesla.

 

A Nio é capaz de encomendar peças baratas da diversificada gama de fabricantes de eletrônicos e fornecedores de autopeças da China. Em novembro, comprou a parte de seus sócios minoritários e assumiu a propriedade total da XPT, empresa que projeta e monta baterias e motores elétricos para a própria Nio e outras montadoras.

 

A empresa tem apenas 120 engenheiros para comandar sua fábrica de montagem em Hefei, capital da província de Anhui, no centro do país. Assim, a Nio paga à JAC, montadora estatal também sediada em Hefei, para que esta envie 2.300 trabalhadores com experiência em linha de montagem para tocar a fábrica.

 

A abordagem tem desvantagens. Quando a demanda aumentou no último verão do Hemisfério Norte, depois que a China conseguiu em grande parte controlar o coronavírus, a Nio percebeu que alguns fornecedores estavam despreparados para aumentar rapidamente a produção. Os compradores enfrentaram atrasos de meses na entrega dos carros. “Temos estoque muito pequeno, próximo de zero. É um grande desafio para a fábrica, porque você precisa de um giro de estoque rápido”, disse Victor Gu, gerente geral da fábrica da Nio.

 

A Nio também oferece incentivos caros aos clientes de sua marca, como suas Casas Nio. Estas são essencialmente clubes para proprietários de seus carros, e contam com cafeterias, bibliotecas e até creches gratuitas. Ocupam imóveis caros em 19 cidades chinesas, incluindo uma na base do edifício mais alto da Ásia Oriental, a Torre de Xangai, de 128 andares.

 

Por algum tempo, a Nio também ofereceu uma vantagem extravagante: substituição gratuita e vitalícia da bateria do carro do cliente, desde que este continue comprando veículos da marca e levando-os para uma das 183 estações de troca da empresa. Enquanto o cliente toma um café, um técnico substitui a bateria descarregada por uma totalmente carregada. “Leva apenas cerca de cinco minutos e não custa nada”, disse Neo Fan, banqueiro comercial de Xangai de 38 anos que pagou US$ 83 mil por sua minivan Nio ES8 e que tem direito a substituições grátis para o resto da vida.

 

A extravagância e a pandemia afetaram as finanças da Nio. A empresa perdeu US$ 11 mil por cada carro vendido no trimestre de julho a setembro.

 

Empresas do governo decidiram ajudar. Entidades estatais em Hefei aderiram a um fundo de investimento estatal nacional no ano passado que pagou US$ 1 bilhão em dinheiro para adquirir uma participação de 24 por cento na empresa. Então, em dez de julho, o banco estatal China Construction liderou um consórcio de bancos que ampliou o crédito para a Nio com US$ 1,6 bilhão.

 

Li, o presidente da Nio, defendeu sua empresa, retratando-a como uma startup e observando que a Tesla precisou de muitos anos para conseguir, em meados do ano passado, registrar um quarto trimestre consecutivo de lucros. “Estamos muito felizes pela Tesla, mas isso só se tornou realidade depois de 17 anos”, frisou ele em uma entrevista no fim de 2020.

 

Enquanto Li prevê carros elétricos a US$ 25 mil cada em breve, os automóveis da Nio são agora tão caros quanto os da Tesla. Seu sedã básico, o ET7, tem um preço inicial de US$ 58.500 com uma bateria de 70 quilowatts-hora, que pode levar o carro a quase 500 quilômetros. A empresa planeja um novo modelo ET7 para o fim do ano que virá com uma bateria muito melhor, dobrando esse alcance.

 

A Nio permite que os compradores personalizem seus carros, incluindo seis tipos de rodas, 11 cores e tantas outras opções que a fábrica pode passar um mês sem montar dois carros idênticos. Isso força os trabalhadores a variar sua rotina constantemente.

 

Gu, o gerente geral da fábrica, disse que sua operação foi projetada para trabalhar com apenas 20 carros por hora. Muitas linhas de montagem automatizadas funcionam duas vezes mais depressa.

 

A Nio tem tido poucos problemas para receber dinheiro ultimamente. Vendeu mais ações em dezembro em Nova York, levantando US$ 2,6 bilhões. Isso é dinheiro suficiente para construir uma fileira inteira de fábricas – e a empresa já planeja expandir consideravelmente a produção. (Portal Exame)