Agrale supera crise e foca nichos e parcerias para se fortalecer

Estradão

 

Por onde anda a Agrale? Essa pergunta surgiu na redação do Estradão recentemente. A empresa de Caxias do Sul (RS), é a única montadora nacional de caminhões e chassis de ônibus. E praticamente desapareceu do ranking de vendas de caminhões da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Mas se mantém ativa no mercado com fornecimento pontual de produtos.

 

Para sobreviver, a Agrale aposta em nichos de mercado. Assim, vem ganhando destaque com a venda de chassis de micro-ônibus fora de estrada para o Programa Caminho da Escola.

 

Inclusive, a perspectiva de crescimento para 2021 está lastreada no programa do governo federal. Enquanto isso, o jipe Marruá, focado no Exército Brasileiro e vendido, também, para setores como mineração. Além disso, atende a área de manutenção de energia elétrica. Dessa forma, fortalece a empresa em negócios segmentados.

 

Nesse sentido, a Agrale passou a focar nichos principalmente quando viu suas vendas de caminhões despencarem, em 2014. Até então, esse era esse o segmento mais forte para a empresa. “Vimos nosso faturamento que, até então era de R$ 1,1 bilhão, cair para dois terços disso”, diz Hugo Zattera, presidente da Agrale.

 

Fábrica fará caminhões da FNM

 

Em entrevista exclusiva ao Estradão, o executivo fala sobre a queda de participação no mercado de caminhões. E também sobre o bom desempenho da empresa no setor de ônibus.

 

Da mesma forma, ele diz que as parcerias têm sido importantes para equilibrar a receita. A mais recente foi estabelecida com a FNM, marca que fez sucesso no País nos anos 1980.

 

E conta que a companhia está voltando a produzir caminhões. Os modelos são elétricos da FNM e a produção será na fábrica da Agrale. Confira a íntegra da entrevista:

 

Crise e superação

 

Como a Agrale vem superando os altos e baixos no setor de caminhões que ocorrem desde 2014?

A crise de 2014 atingiu o nosso principal segmento de atuação. Tínhamos uma situação relativamente confortável, que foi se deteriorando. E, para a Agrale e outras montadoras, a participação de mercado caiu em dois terços.

 

As consequências, como a dificuldade de caixa, apareceram e, desde então, estamos tentando sobreviver. A Agrale é uma empresa nacional. Assim, não pode contar com aporte internacional de uma matriz. Somos nós por nós mesmos.

 

A Agrale chegou a faturar R$1,1 bilhão por ano até 2013. Hoje, estamos faturando dois terços disso.

 

E como a empresa conseguiu se manter desde então?

Tomamos as medidas clássicas de redução de investimentos e adequação do quadro de funcionários. Assim como a concentração da atividade em linhas de produtos que proporcionam resultados imediatos. Isso porque temos limitação de capital de giro.

 

A Agrale também passou a oferecer sua linha de produção a outras marcas. Estamos oferecendo nossa capacidade industrial, que é muito grande, para complementar as atividades e a receita. Temos feito isso, sim. Mas vale lembrar que isso não é novidade.

 

Por duas décadas, os caminhões da Navistar International foram feitos em nossa fábrica de Caxias do Sul. Por algum tempo, também montagem os caminhões da Foton.

 

Atualmente, estamos usinando motores da Mercedes-Benz e produzindo virabrequins para outros clientes. Mais recentemente, assinamos um contrato para a produção de caminhões elétricos da FNM em nossa planta.

 

Estamos montando o modelo e apoiando a área de engenharia. Esse é um segmento com forte tendência para crescer.

 

Mudança de foco

 

Como ocorreu a mudança, de fabricante de caminhões, para outras linhas de produtos?

Por ser uma empresa brasileira, a Agrale sofre limitações. Ou seja, ficou difícil expandir nossas atividades no meio automotivo, que requer volumes de capital muito altos.

 

Eu não consigo vender um produto e dizer ao cliente que ele pode começar a pagar na próxima Copa do Mundo. Então, decidimos que, para sobreviver, teríamos de atuar em nichos. Assim, passamos a focar segmentos específicos que têm volumes menores e não interessam aos grandes competidores.

 

Dentro desse conceito, a Agrale decidiu, no começo dos anos 2000, desenvolver uma linha de utilitários para o uso das Foças Armadas. Assim também, seriam produtos robustos para uso civil. Em outras palavras, essa é a origem da linha Marruá.

 

Criamos uma família inteira e já vendemos milhares de unidades para as Forças Armadas no Brasil e outros países. São modelos muito específicos, que têm de passar por avaliações severas do Exército.

 

Esse é um nicho importante. O foco inicial era fornecer para as Forças Armadas. Contudo, surgiu uma demanda importante de setores como o de mineração e manutenção de redes de energia elétrica, por exemplo.

 

Aposta em nichos

 

Atualmente o foco da Agrale são os nichos de mercado?

Sim. Na área de ônibus, por exemplo, desenvolvemos, a pedido do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), um chassi para o fora-de-estrada. Assim, há alguns anos esse produto atende o Programa Caminho da Escola. Essa tem sido uma área de atuação que vem rendendo um bom retorno.

 

Somos líderes na fabricação de micro-ônibus no Brasil. Nesse sentido, começamos a atuar no segmento quando o mercado inteiro no Brasil não passava de 800 unidades por ano. Agora, fazemos volumes significativos.

 

Quando começou a queda na produção de caminhões e o que houve desde então?

Tivemos de reduzir o volume de produção. Mas não por falta de demanda. A demanda existe, mas nós ainda estamos com dificuldade para recuperar o capital de giro necessário para fabricar e oferecer mais produtos.

 

A maior parte do faturamento vem de onde?

Os chassis de ônibus e a linha Marruá representam 75% do volume de produção. O restante vem tratores, que também não têm grande volume, assim como os caminhões. A empresa, que começou como fabricante de pequenos tratores, agora tem como principal negócio o setor automotivo.

 

Já produzimos motocicletas em uma fábrica em Manaus. Chegamos a fazer mais de 100 mil unidades. Mas, até por causa da distância e do acordo que tínhamos com um parceiro do exterior, passamos a focar tratores e outros veículos.

 

Perspectivas

 

Com a alta na demanda por caminhões, a Agrale projeta crescer no segmento?

Com tudo o que tem havido, a recuperação ainda é lenta. Isso porque a indústria enfrenta a falta de componentes. Está faltando aço, está faltando plástico…

 

E como a Agrale vem enfrentando esse cenário?

Interrompendo a produção e não completando o produto. É preciso considerar duas coisas. Uma é que a cadeia de fornecedores sofreu demais. Muitas empresas desapareceram.

 

A outra é que houve uma drástica redução na capacidade. Há também a questão dos aumentos absurdos nos preços de algumas matérias-primas. O resultado é que muitas vezes não é possível terminar o produto. Isso ocorre com a Agrale, inclusive.

 

Mercado de ônibus

 

Quais são as expectativas da Agrale para 2021? Em breve deve sair a licitação do Programa Caminho da Escola…

Estávamos otimistas, mas, agora, ficamos um pouco mais reticentes. Devemos registrar algum crescimento em relação ao ano passado. Contudo, a pandemia prejudicou muito o setor de transporte de passageiros e também o de turismo.

 

O transporte de carga seguramente vai crescer. Nossa projeção é modesta. Não pela demanda total, mas por causa da capacidade de atendimento. Devemos registrar algo ao redor de 10%, talvez 12% de alta na produção.

 

Portanto, estamos supondo que o Programa Caminho da Escola será mantido nos padrões atuais e mais robusto. E isso deve sustentar a área de transporte de passageiros. Também temos boas expectativas em relação à linha Marruá.

 

Em 2020, a Agrale produziu pouco mais de 2 mil chassis de ônibus? E do Marruá, foram quantas unidades?

O número não foi significativo porque as Forças Armadas não compraram. Para o exterior, não chegamos a fazer 100 unidades.

 

A expectativa de crescimento da Agrale está totalmente lastreada no Programa Caminho da Escola?

Estará lastreada principalmente no Programa Caminho da Escola. Seja para a Agrale, a Volare ou a Marcopolo, para as quais oferecemos os chassis e que participam das licitações do governo.

 

Futuro para caminhões

 

Quais são os planos da Agrale para crescer no setor de caminhões?

Pretendemos retomar devagar à medida que se haja recursos para ampliar a produção.

 

Desistir jamais?

É a luta que temos, mas esse é o nosso normal. Se você analisar, estamos aí há quase 60 anos trabalhando sozinhos. E ninguém aqui vai arrumar a mala para ir embora. Não dá para ir embora porque moramos aqui…

 

Também temos fábrica na Argentina, em Buenos Aires. E a nossa posição no transporte público argentino é interessante. Aliás, somos o segundo maior fabricante de chassi de ônibus na Argentina. Metade da frota de ônibus de lá é Agrale. Nós fazemos centenas de chassis para aquele mercado, mas, ainda assim, bem menos que para o Brasil.

 

Combustíveis alternativos

 

Como a Agrale está se preparando para a nova etapa do Proconve que deve entrar em vigor em 2022?

A Agrale está se mexendo, mas é insano incorporar o Proconve 8 em 2022. Isso porque os testes são muito longos e, com a pandemia, os funcionários do governo responsáveis por parte do processo ficaram afastados por um bom tempo. Além disso, os engenheiros não podiam trabalhar.

 

Portanto, considero um absurdo manter o cronograma atual. Ou seja: como é que vamos fazer programas de desenvolvimento e testes de campo? Não dá. Basta olhar a lista de testes necessários para implementar o Euro 6 para concluir que isso é impossível.

 

A Agrale compra motores de quais empresas?

Os motores são da Cummins e atendem a nova legislação. Mas o fato é que não os fornecedores não conseguem concluir todos os testes. É uma coisa insana. Aliás, no Brasil somos obcecados por esse assunto, mas não temos regras para tirar os milhares de caminhões com mais de 20 anos de idade das ruas.

 

Esses veículos poluem muito. O ideal seria resolver a questão dos modelos velhos que, juntos são um desastre do ponto de vista ambiental. O Brasil ainda está importando diesel S-10 porque forçamos a antecipação do Euro 5. Não é racional.

 

A Agrale continuará a focar a linha de caminhões leves?

Definimos ficar somente nos leves. A área de pesados requer outro foco. No caso dos leves, o revendedor está fica em áreas urbanas e, normalmente, esses modelos são comprados para distribuição nas cidades. Os pesados requerem uma estrutura gigantesca. São dois mundos distintos.

 

Ônibus a gás

 

O desenvolvimento do comércio eletrônico criou novas oportunidades de negócio?

A gente cai sempre no mesmo problema, que é o capital de giro limitado. Eu gostaria de poder ser mais competitivo e oferecer mais produtos. É um mercado importante.

 

A Agrale tem projetos na área de combustíveis alternativos?

Uma empresa que atua em nichos, como a Agrale, tem de ser ligeira e inovadora. Portanto, a tomada de decisão deve ser rápida. Há tempos trabalhamos com energias alternativas e soluções inovadoras. No início dos anos 2000, desenvolvemos um ônibus a gás. Concluímos os testes de ônibus a gás para a cidade de Buenos Aires.

 

No Brasil, essa tecnologia foi bem recebida há algumas décadas. Muita gente instalou o sistema em automóveis. Mas a Agrale só conseguiu vender uma unidade de ônibus a gás no País. Por outro lado, forma mais de 400 para Lima, no Peru, onde esse tipo de ônibus é bem comum.

 

Creio que o setor de gás vai se fortalecer no Brasil. Até porque o monopólio da Petrobrás está acabando. Com isso, deve haver redução nos preços.

 

A Agrale está pronta para essa nova realidade?

A Agrale domina todo o processo. Estamos apoiando a FNM porque o segmento de propulsores alternativos apresenta forte tendência de crescimento. Estou preocupado em preservar o presente, buscar soluções e contribuir sempre com inovações. Aliás, fomos a primeira empresa do setor a validar o uso de biodiesel em um veículo no Brasil. (Estradão)