O Estado de S. Paulo
Na semana passada o presidente da República enviou ao Congresso Nacional projeto de lei complementar alterando a forma de cobrança do ICMS nas operações com combustíveis. O projeto visa a regulamentar dispositivo constante da Constituição Federal há 19 anos (e nunca aplicado), o qual estabelece que, nas operações com combustíveis e lubrificantes, o ICMS incidirá uma única vez, e terá alíquota uniforme em todo o território nacional.
Em princípio, a regulamentação do modelo de cobrança de ICMS sobre combustíveis previsto na Constituição é positiva, pois torna o modelo mais simples e reduz distorções decorrentes da grande diferenciação na tributação entre Estados – como grande variabilidade na relação de preço entre o etanol e a gasolina. No entanto, o objetivo do governo federal ao enviar o projeto não parece ter sido esse, mas sim tentar transferir indevidamente para os Estados a responsabilidade pela alta do preço dos combustíveis, num momento em que os caminhoneiros ameaçam entrar em greve por conta do aumento do custo do óleo diesel. A proposta do governo apresenta ainda vários problemas, que dificultam a sua adoção.
Por um lado, há questionamentos sobre a constitucionalidade do projeto, que, segundo algumas interpretações, estaria invadindo a competência dos Estados, ao definir que a alíquota do ICMS seria específica, ou seja, um valor fixo por litro.
Por outro lado, dada a grande variabilidade na cobrança de ICMS sobre combustíveis entre os Estados, a adoção de alíquota uniforme teria um impacto muito diferenciado sobre a receita dos entes da Federação, com ganhos e perdas relevantes. Essa é, provavelmente, a razão pela qual o dispositivo constitucional que prevê alíquota uniforme nunca foi regulamentado.
Por fim, a mera adoção de alíquota uniforme de ICMS não garante a redução do custo do óleo diesel, podendo até ter o efeito oposto.
Como aumentos de tributos tendem a ser imediatamente repassados aos preços e o repasse de reduções de custos tende a ser mais lento, o efeito inicial da mudança pode ser até um aumento do preço médio dos combustíveis. Isso só não ocorreria se houvesse uma redução generalizada do ICMS cobrado sobre combustíveis, o que é muito pouco provável, dados a situação fiscal dos Estados e o elevado peso dos combustíveis na receita do imposto – 18% do total, na média, em 2018.
Todos esses problemas deixariam de existir se a uniformização da tributação dos combustíveis ocorresse no âmbito de uma ampla reforma dos tributos sobre o consumo de bens e serviços, como a atualmente discutida no Congresso Nacional.
Neste modelo, os combustíveis seriam tributados por meio de um imposto sobre bens e serviços, cuja alíquota poderia ser homogênea em todo o território nacional, além de um imposto regulatório federal. Isso não apenas asseguraria a uniformidade na tributação, como deixaria toda a responsabilidade pela tributação regulatória dos combustíveis com o governo federal.
Como a transição para o novo modelo seria longa (até dez anos), haveria tempo para que, mesmo mantendo a arrecadação, a redistribuição da carga entre os Estados fosse integralmente repassada para os preços – para baixo e para cima –, não elevando o custo médio dos combustíveis.
De modo semelhante, não haveria nenhum impacto relevante de curto prazo sobre a arrecadação dos Estados, pois a reforma tributária contempla uma transição ainda mais longa (de até 50 anos) para a distribuição da receita entre os entes da Federação.
Por fim, em um modelo bem desenhado da tributação do consumo, o custo dos tributos sobre combustíveis não seria arcado pelos caminhoneiros, que recuperariam integralmente, na forma de crédito, o imposto incidente sobre o óleo diesel. Nesse modelo, o imposto é efetivamente suportado pelos consumidores finais dos bens e serviços, e não pelos agentes que atuam no meio da cadeia de produção e comercialização, como é o caso dos caminhoneiros. (O Estado de S. Paulo/Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal)