O acordo Mercosul-UE em ponto morto

O Estado de S. Paulo

 

Ao comentar um estudo de impacto dos acordos comerciais negociados pela União Europeia (UE), Valdis Dombrovskis, chefe de comércio do bloco, declarou, a respeito da última versão do acordo com o Mercosul, que a Europa encontrou “o justo equilíbrio entre oferecer mais possibilidades de exportação para os produtores europeus, protegendo-os ao mesmo tempo de efeitos potencialmente nefastos do aumento de importações”. Em contraste, na mesma semana, o ministro do Comércio Exterior francês, Franck Riester, em sessão do Fórum Econômico Mundial, disparou: “O aumento do comércio poderia criar mais desmatamento”. Tais episódios reforçam a percepção de que o acordo está bem ajustado do ponto de vista comercial e sua ratificação depende apenas de um concerto político centrado na questão ambiental.

 

Entre os 12 acordos examinados pelo estudo, o do Mercosul responderia por 53% das compras agrícolas. No total das importações, estima-se que em 2030 o Mercosul seria responsável por 19% das compras – fatia menor que a de 24,5%, calculada em 2016. Em conclusão, a Comissão Europeia apontou que o acordo é positivo para a economia e o agronegócio europeu.

 

Apesar disso, as pressões contra a ratificação não devem arrefecer. As hostilidades da França são previsíveis. Recentemente, o presidente Emmanuel Macron associou de maneira desinformada e caluniosa o cultivo da soja brasileira ao desmate na Amazônia. É notório – e já foi apontado por muitas autoridades europeias – que a resistência de Macron ao acordo visa a agradar a um tempo o eleitorado ambientalista e o lobby protecionista dos agricultores franceses. Mas o mais preocupante é que, mesmo entre possíveis aliados no bloco europeu, as atitudes têm oscilado entre a desconfiança e o desinteresse.

 

No último semestre, o Brasil e seus parceiros no Mercosul já perderam a oportunidade de negociar com uma liderança pragmática como Angela Merkel, enquanto a Alemanha esteve na presidência rotativa da União Europeia. Merkel acabou por colocar o Mercosul em segundo plano, priorizando um acordo de investimentos com a China. Se em parte isso se deve aos interesses alemães no comércio com a China, também revela a apatia das autoridades do Mercosul.

 

No início do ano, Portugal assumiu a presidência da UE. Com outras oito nações, o país é um dos signatários de uma carta à Comissão de Comércio europeia, argumentando que a não ratificação do acordo não apenas pioraria a questão ambiental, como afetaria a credibilidade do bloco e o fragilizaria em relação a outros competidores internacionais.

 

Ainda assim, num documento de 37 páginas apresentando seu programa de governo perante a UE, Portugal citou a Índia oito vezes; o Mercosul, apenas duas; e o Brasil, nenhuma. Já está marcada para maio uma cúpula com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, para discutir um acordo de proteção de investimentos. Com o Brasil não há nada na agenda.

 

A União Europeia está em vias de aprovar um ambicioso “Plano Verde” e a presidência de Joe Biden, nos Estados Unidos, tende a dar novo impulso aos concertos multilaterais em favor das ações climáticas. Se a estratégia, por assim dizer, de confronto do presidente Jair Bolsonaro já isolava o Brasil antes, agora o isolará ainda mais.

 

No fim de 2020, a divisão da América do Sul da UE esboçou um anexo ao acordo estabelecendo compromissos ambientais e sociais e uma provisão de recursos europeus para combater o desmatamento na Amazônia. Mas até o momento praticamente não se viu qualquer mobilização do Brasil para negociar os termos desse anexo. Caracteristicamente, membros do governo, como o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ou o presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão, se queixam reiteradamente de falta de recursos, mas, quando as oportunidades aparecem, não mostram nenhuma disposição para negociar compromissos. Não surpreende que, dia após dia, o acordo com o Mercosul siga retrocedendo rumo ao fim da fila de prioridades europeias.

 

Acordo ainda depende de um concerto político centrado na questão ambiental. (O Estado de S. Paulo)