Fluxo de veículos nas estradas cai 8,8%

O Estado de S. Paulo

 

Evidências não faltam para demonstrar a falta de vitalidade da economia neste início de ano. O Índice ABCR de Atividade, calculado pela consultoria Tendências com dados da associação das concessionárias de rodovias, mostrou queda de 2,5% no fluxo de veículos nas estradas em janeiro, na comparação com dezembro de 2020. Na comparação com janeiro de 2020, houve um tombo de 8,8%. Já as vendas de veículos novos caíram 11,5% ante janeiro de 2020, conforme a Fenabrave, a associação das concessionárias de automóveis.

 

Uma visão preliminar do ICVA, indicador de vendas do varejo criado pela empresa de meios de pagamento Cielo, mostra que janeiro “virá no mesmo patamar de dezembro, o que não é bom”, diz o superintendente executivo de Inteligência da companhia, Gabriel Mariotto. Os dados completos serão divulgados na semana que vem, mas o executivo adianta que os piores resultados virão de bares e restaurantes e das livrarias e papelarias. Além disso, a região Norte “despencou” no ICVA de janeiro.

 

Para Mariotto, tanto a ótica setorial quanto a ótica regional sugerem os efeitos do recrudescimento da pandemia. Com o avanço da covid-19, em várias cidades do País, bares e restaurantes sofreram restrições no funcionamento no fim do ano. Já o desempenho da região Norte foi marcado pela crise sanitária e o caos causado pela falta de oxigênio em Manaus, capital do Amazonas.

 

Incertezas

 

A combinação da pandemia com a retirada do apoio do governo via auxílio emergencial pode levar a economia a se retrair, mas Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores diz que há incertezas sobre o segundo trimestre. Para o economista, a reedição do auxílio, em debate entre o governo e o Congresso Nacional, dará o tom – ao lado da repetição de medidas como antecipações do 13º de aposentadorias ou liberações de saques do FGTS.

 

“No curto prazo, essas muletas são importantes. Agora, lá na frente, sem elas, a economia vai depender do mercado de trabalho”, afirma Borges, lembrando que o desemprego segue elevado. /

 

Entre os dados econômicos de janeiro que acendem o sinal amarelo no desempenho da economia neste início de ano, os indicadores de confiança calculados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) merecem destaque. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) começou o ano registrando a quarta queda seguida, atingindo o menor nível desde junho, quando começou a recuperação após o pior momento da crise causada pela covid-19. Já o Índice de Confiança Empresarial (ICE) recuou 2,2 pontos ante dezembro de 2020.

 

O ICE reúne todos os indicadores de confiança produzidos pelas sondagens empresariais da FGV e é composto de forma ponderada, levando em conta o peso de cada setor na economia. A confiança empresarial passou a maior parte de 2020, desde maio, se recuperando do tombo provocado pela covid-19 em março e abril, mas o desempenho foi heterogêneo – indústria e construção civil saíram na frente; comércio e serviços estavam para trás.

 

Para Aloisio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), a parada no movimento de retomada da confiança em janeiro coloca em dúvida a “recuperação em V” da economia e está relacionada à perda de fôlego no crescimento econômico no fim do ano. A confiança dos empresários “segue o ciclo”, ou seja, reage ao vaivém da atividade econômica, disse o especialista.

 

“Os recursos que o governo injetou ajudaram a fazer com que a economia, e a confiança empresarial, que segue o ciclo, tenha gradualmente melhorado (até o fim do ano passado)”, afirmou Campelo Jr. “De modo geral, até (a confiança de) serviços recuperou (até o fim de 2020). Essa recuperação foi em ‘V’? Essa recuperação em ‘V’ está em discussão”, completou o especialista.

 

A alta acumulada de maio a novembro no ICE equivalia a 99% das perdas registradas em março e abril, piores momentos para a confiança do empresário, logo no início da pandemia. Com as quedas de dezembro e janeiro, a alta acumulada na recuperação agora equivale a 93% das perdas.

 

Pobreza

 

Não faltam motivos para que os sinais de perda de fôlego da economia na virada para 2021 elevem a pressão por uma reedição do auxílio emergencial para trabalhadores informais. A extinção total do apoio do governo deverá tirar impulso da demanda – o alerta mais recente veio do tombo de 6,1% nas vendas do varejo em dezembro – e poderá levar 17,9 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza. É como se, de uma vez, quase toda a população do Chile entrasse se tornasse pobre no Brasil.

 

As contas, citadas inicialmente pelo jornal O Globo, partem da estimativa, projetada pelo pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), de que, sem os auxílios, quase um terço (29,5%) da população brasileira estava na pobreza em janeiro.

 

São 62,4 milhões de pessoas. Em 2019, antes da pandemia, 21% (44,5 milhões) estavam nessa condição.

 

Para fazer os cálculos, Duque usou dados do IBGE e a linha de pobreza do Banco Mundial, de US$ 5,50 por dia por pessoa. Convertido pelo método do poder de paridade de compra – que leva em conta o custo de vida em cada país – e atualizado pela inflação, o valor equivale a R$ 455 por mês por pessoa no domicílio. É a situação de um casal que mora com dois filhos e vive com R$ 1.820 por mês.

 

Dentro do grupo abaixo da linha da pobreza, também haverá aumento do número de brasileiros na extrema pobreza – pelo critério do Banco Mundial, aqueles que vivem com até US$ 1,90 por dia por pessoa, ou R$ 157 mensais por pessoa em valores de hoje. Sem o auxílio, em janeiro, serão 6,9 milhões de brasileiros a mais nessa condição, na comparação com 2019. A proporção dos extremamente pobres saltará de 6,4% (13,6 milhões) em 2019 para 9,7% (20,5 milhões) da população total.

 

Apesar da crise, o pagamento do auxílio emergencial derrubou a extrema pobreza. No fim de maio, já com o pagamento do apoio pelo governo, a proporção de brasileiros abaixo da linha de extrema pobreza foi a 3,5% (7,4 milhões de pessoas) da população, nas mínimas históricas. O auxílio fez com que, temporariamente, 6,2 milhões deixassem a extrema pobreza, na comparação com 2019, conforme cálculos feitos por Duque em junho, como mostrou o Estadão/broadcast à época.

 

O efeito do aumento da pobreza na economia é que, sem o auxílio, as famílias com renda mensal de até R$ 2.600 deverão perder 23,8% de sua renda disponível – o dinheiro que sobra para gastar depois de comprar itens básicos – em relação a 2020, segundo estudo da consultoria Tendências, como mostrou o Estadão na semana passada. Serão R$ 48 bilhões a menos circulando entre os mais pobres.

 

Compasso de espera

 

O retorno do auxílio emergencial pelo que o Estadão apurou em conversas com integrantes do Congresso Nacional e do governo deve ocorrer em março com o pagamento de 4 parcelas de R$ 250. Seriam desembolsados R$ 30 bilhões. O ministro Paulo Guedes (Economia) e lideranças parlamentares tentam costurar uma fórmula para executar os pagamentos sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal e a regra do teto de gastos (que impede aumentos de despesas acima da inflação). (O Estado de S. Paulo/Vinicius Nader)