Ford: a caminho do retrocesso

O Estado de S. Paulo

 

Após mais de cem anos, a Ford decidiu fechar todas as suas fábricas no Brasil a partir de 2021. Durante décadas, a Ford foi uma das principais empresas do setor automobilístico. Apesar disso, o encerramento de suas atividades não foi exatamente uma surpresa. Nos últimos anos, a empresa vinha diminuindo sua participação no mercado automobilístico no Brasil e no mundo e, em 2019, interrompeu a produção de caminhões no País. Em outras palavras, vinha perdendo competitividade no cenário mundial.

 

Esta decisão tem componentes locais e estruturais, relacionados às mudanças no mercado internacional de veículos. Em nível mundial, o setor está passando por uma grande reestruturação tecnológica, incorporando novas tecnologias com o objetivo de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, substituindo o petróleo pela eletricidade como fator de propulsão e introduzindo dispositivos de tecnologia da informação tanto na produção como nos bens finais.

 

Esta reestruturação tecnológica exige um grande esforço de investimento das empresas em todo o mundo, o que reduz a capacidade das matrizes de financiar investimentos em mercados menos lucrativos. E a Ford tem tido dificuldade de acompanhar essa evolução, tanto em nível local como em nível mundial.

 

Mas os fatores internos também são muito importantes. A Ford cresceu no Brasil a partir das políticas de substituição de importações adotadas pelo governo brasileiro na década de 50 do século passado. Essas políticas foram baseadas numa forte proteção do mercado interno por meio de proibições de importações e elevados níveis de tarifas e subsídios. A ideia era que, como o mercado era pequeno, se comparado ao de países desenvolvidos, e a tecnologia apresentava elevados retornos de escala, ou seja, os custos unitários caíam rapidamente com o aumento da produção, para competir era fundamental reservar o mercado interno e subsidiar as empresas instaladas no País. Em teoria, seria uma proteção transitória, até que as empresas conseguissem adquirir um tamanho suficiente para se tornarem competitivas.

 

Entretanto, junto com o crescimento do setor veio o poder político, e com ele a proteção e os subsídios nunca acabaram. Com a proteção e os subsídios, a competição não veio, e, sem competição, o incentivo para investimentos em inovações tecnológicas e aumento da competitividade não aconteceu, tornando o setor tecnologicamente obsoleto.

 

A entrada de novos players no País, principalmente as empresas asiáticas nos anos 1980 e 1990, aproveitando-se de subsídios estaduais e municipais e com tecnologia mais moderna, aumentou a competição interna e tornou a situação da Ford insustentável.

 

A manutenção de elevados níveis tarifários faz do Brasil um dos países mais fechados do mundo e se, por um lado, protege as empresas aqui instaladas da competição, por outro, aumenta os preços e reduz a qualidade dos bens de capital, tornando o processo de investimentos extremamente caro. Num momento em que o setor passa por forte mudança

 

É fundamental que o Brasil faça reformas e crie marcos regulatórios que atraiam investimentos privados

 

tecnológica e introdução de novas tecnologias, a proteção tarifária se tornou um fator negativo.

 

Além de excessivamente fechado, o Brasil tem uma estrutura tributária extremamente complexa, cara e difícil de ser cumprida, uma carga tributária muito elevada, nossa mão de obra é pouco qualificada e cara – por causa dos impostos sobre a folha de salários, além de ter relações de trabalho que desincentivam o investimento em capital humano, mesmo depois da positiva reforma trabalhista de 2017 – e a infraestrutura está deteriorada. Estes são fatores que tornam o Brasil um país caro para produzir.

 

A saída da Ford é um aviso de que é fundamental fazer as reformas e criar marcos regulatórios capazes de atrair investimentos privados, se quisermos efetivamente preservar nosso sistema produtivo. Sem elas, caminhamos para o retrocesso econômico. (O Estado de S. Paulo/José Márcio Camargo, professor do departamento de economia da PUC/RIO, economista-chefe da Genial Investimentos)