Sai a Ford, ficam os caros incentivos

O Estado de S. Paulo

 

Incentivos, crédito fácil e proteção tarifária proporcionaram tranquilidade às montadoras, mas com efeitos pouco visíveis em sua competitividade.

 

Sem grande surpresa, a Ford anunciou a decisão de encerrar a produção de veículos no Brasil, com o fechamento de fábricas em Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE). Políticos lamentaram e sindicalistas protestaram. Houve quem atribuísse a decisão da empresa a falhas do governo e à sua baixa credibilidade. Também houve quem chamasse a atenção para o ambiente de negócios no Brasil, marcado por problemas bem conhecidos, como tributação disfuncional, insegurança jurídica, excessos de burocracia e infraestrutura deficiente. Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a empresa queria mesmo subsídios, embora nenhum de seus diretores tenha mencionado essa questão. Pouco se falou, no entanto, sobre o desempenho e sobre as condições de operação da indústria automobilística no Brasil.

 

Segundo o Ministério da Economia, o fim da produção da Ford no País é parte da estratégia global da companhia. Fábricas foram fechadas em outras partes do mundo, a atividade na América do Sul será reorganizada e a lista de produtos principais deve mudar. Novas tecnologias, novas normas ambientais, novos tipos de veículos e novas condições mundiais de concorrência impõem mudanças a toda a indústria de veículos.

 

Além de responder a questões internas, a nova política da Ford provavelmente leva em conta essas transformações no ambiente empresarial. De toda forma, o encerramento da produção de caminhões em São Bernardo do Campo (SP), no ano passado, foi um prenúncio de amplas mudanças. A decisão recém-anunciada torna-se ainda menos surpreendente quando se considera o desempenho da companhia, no Brasil, nos últimos anos, com prejuízos acumulados desde 2013.

 

Em vez de lamentar o fim de atividades de mais uma empresa, o governo deveria dar atenção ao desempenho da indústria, nos últimos dez anos, e examinar com cuidado a atividade do setor automobilístico. Dificilmente se encontrará outro ramo industrial tão favorecido pelo setor público. Entre 2009 e 2019 as fábricas de veículos ganharam incentivos fiscais da ordem de R$ 30 bilhões.

 

Estímulos foram concedidos, sem interrupção, pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Em 15 de março de 2019, quando o atual governo nem havia completado três meses, o secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, assegurou ao Estadão/broadcast a continuidade dos subsídios ao setor automotivo no Nordeste.

 

“Existe um regime especial, recentemente prorrogado, que viabilizou investimentos não apenas da Ford, na Bahia, mas também da Fiat-Chrysler, em Pernambuco, por exemplo. As empresas que utilizam esse regime contam com essas regras para a manutenção de seus investimentos”, disse o secretário. Poucos dias antes ele e executivos da Ford haviam conversado sobre o fechamento da fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo. Havia a esperança, aparentemente, de preservação da unidade na Bahia.

 

Em outubro de 2020 o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei de prorrogação de incentivos fiscais a montadoras e fabricantes de autopeças em áreas menos industrializadas. Os benefícios foram destinados a investimentos no Nordeste, no Norte e no Centro-oeste. A origem da lei foi a Medida Provisória 987, de junho de 2020.

 

Incentivos, crédito fácil e proteção tarifária proporcionaram tranquilidade às montadoras, mas com efeitos pouco visíveis em sua competitividade. O acordo automotivo Brasil-Argentina, renovado muitas vezes desde a virada do século, proporcionou conforto e poucos desafios. Com fácil acesso aos mercados argentino e da vizinhança, as fábricas instaladas no Brasil pouco se empenharam em competir em outras áreas. Em 2019, mesmo em crise, o mercado argentino absorveu cerca de um terço das exportações das montadoras. As vendas para a América Latina corresponderam a cerca de 85% do valor total. Mas nem a vizinhança é mais um território seguro, com a chegada dos chineses. Apesar dos incentivos, o setor continua pouco empenhado em disputar espaços no mercado global. (O Estado de S. Paulo/Antonio Carlos Pereira)