Escassez de aço e pneu desacelera a entrega de máquinas no campo

Jornal do Comércio-RS

 

Com falta de matéria-prima, limitações nas linhas de produção e regras sanitárias e de trabalho mais restritas, a indústria de máquinas agrícolas teve dificuldades de atender plenamente os agricultores em 2020. Como o ano também foi de expansão de área plantada em todo o País, isso exigiu adaptações no campo, em um cenário que ainda não foi totalmente normalizado.

 

Depois de indústrias e revendas limparem os estoques no primeiro semestre – quando as primeiras restrições sociais se impuseram e as importações se tornaram complexas – o setor enfrentou a escassez de pneus e aço, por exemplo, para fabricar novos tratores, plantadeiras e colheitadeiras. Até hoje, assegura Cláudio Bier, presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (SIMERS), a atividade fabril sofre os reflexos do tempo parado ou em que operou com velocidade reduzida.

 

“Se antes o produtor recebia a compra em até 15 dias, ou mesmo de pronta entrega, hoje deve estar preparado para aguardar até 75 dias entre a compra e o recebimento”, alerta Bier.

 

Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja no Estado (Aprosoja/RS), Décio Teixeira explica que mesmo o produtor que tem uma boa máquina em campo, seja nova ou usada, com o trabalho acelerado necessita fazer a manutenção e reposição de peças, do plantio à colheita. E quem contava ter no neste ciclo um equipamento zero quilômetro e não conseguiu a tempo, dados os prazos e janelas reduzidas de plantio, sobrecarregou o que já possuía caso tenha aumentado a área semeada.

 

“Sem peças de reposição, especialmente para as plantadeiras, se precisou recorrer ainda mais a tornearias e oficinas mecânicas para fazer peças em vez de comprá-las de fábrica. Por mais nova que seja a máquina, pela intensidade do trabalho, sempre estraga alguma coisa”, explica Teixeira.

 

Roberto Saldanha, diretor da Fenabrave-RS, exemplifica a situação imposta pela pandemia no setor com o seu próprio negócio. Ele conta que recebeu apenas em dezembro parte do que havia encomendado ainda em agosto. E explica que a dificuldade de componentes, como de pneus, levou algumas montadoras a priorizar a fabricação dos itens mais rentáveis. A estratégia, em tempos de escassez de insumos, foi priorizar produtos de maior valor agregado.

 

“Pneus foram um grande problema, por exemplo. Por isso, em vez de produzir o trator mais simples, os fabricantes optaram por aquele com cabine, mais potência e recursos. E com preço e rentabilidade maiores também. Em vez de ofertar toda a carteira de produtos ao longo do ano, algumas montadoras limitaram os itens disponíveis”, conta Saldanha.

 

Outro reflexo, conta o empresário, foi no mercado de máquinas usadas. Ao não renovar a frota, o produtor também não alimentou o comércio de segunda mão, com muitas vezes ocorre. Assim, revendas menos cheias e listas de esperas ainda seguem valendo para este início de ano, mas o setor assegura que as vendas, curiosamente, não caíram nem mesmo sem a realização das tradicionais feiras agropecuárias. De acordo a Abimaq, o ano encerra com vendas do setor no azul.

 

Alfredo Jobke, diretor de marketing AGCO América do Sul, explica que a companhia parou totalmente suas atividades no Brasil por 10 dias no início de abril, por falta de abastecimento de peças, mas depois retornou a operação em todos turnos. O executivo destaca que a escassez de matéria-prima se deu por diversos fatores, nacionais e internacionais

 

Atualmente, calcula o diretor da AGCO, em média 50% de componentes do setor são importados, e como a China foi o primeiro país impactado, o mercado sofreu com a interrupção do envio de peças vindas deste país. Depois, decretos municipais no Brasil atrasaram a produção de empresas da cadeia local de fornecimento. Por último, diz Jobke esses problemas impactaram a importação de peças vindas da Europa. O saldo dos negócios, porém, foi positivo.

 

“A indústria performou bem em 2020, mas esse crescimento poderia ter sido maior, não fossem esses impactos, que estão impedindo o aumento da produção nas fábricas. A AGCO acredita que a regularização de toda a cadeia produtiva acontecerá no primeiro trimestre de 2021”, antecipa Jobke.

 

Sobre as perspectivas, o executivo diz que o momento é “excepcional”, baseado na variação cambial, que tem ajudado nos preços das commodities, que devem seguir em bons patamares.

 

“Se tivermos um clima favorável, teremos outra safra recorde, com preços excepcionais, e o agricultor brasileiro continuará crescendo e investindo em tecnologia. É isso que ele faz quando está capitalizado. O cenário é de muito otimismo para 2021”, defende Jobke.

 

No caso da John Deere no Brasil as fábricas pararam, entre março e abril de 2020, de 15 a 20 dias, segundo a companhia para que as unidades fossem reorganizadas de forma a atender aos protocolos de segurança. Como todas as operações foram retomadas em pouco tempo, porém, a empresa prevê problemas nas entregas de máquinas em 2021. Mas reforça que é fundamental que os clientes planejem os investimentos e iniciem as negociações com antecedência. (Jornal do Comércio-RS/Thiago Copetti)