Locadoras perdem receita e pode faltar carro com atraso das montadoras

Portal Exame

 

Diante da reestruturação das cadeias de produção, as montadoras não estão conseguindo dar conta na retomada do mercado, especialmente na venda direta, em que os frotistas são grandes clientes. Neste cenário, as locadoras estão sendo afetadas pelos atrasos nas entregas dos veículos. As empresas já sofrem queda de receita e pode faltar carro para locação no final do ano, período mais movimentado para o setor.

 

“Esse atraso vai afetar a rentabilidade das locadoras neste ano. Se tudo correr bem, o mercado só deve se estabilizar no primeiro trimestre de 2021?, afirma Paulo Miguel, presidente da Abla, em entrevista à EXAME. “Até lá, a expectativa é de um período de gargalos no setor.”

 

Segundo o dirigente, os atrasos estão ocorrendo principalmente entre os modelos de maior volume e podem chegar a 170 dias. “Os pedidos represados nas montadoras são de pelo menos 150.000 veículos, mas devemos receber aproximadamente 70.000 até o final do ano”, estima.

 

EXAME apurou que modelos de várias categorias, especialmente de maior volume, já estão em falta em algumas praças do mercado brasileiro, diante da quebra da cadeia produtiva no país, com destaque para fabricantes de autopeças de menor porte.

 

“As montadoras têm trabalhado para atender o mercado dentro das suas possibilidades, sabemos do momento que elas estão passando”, pondera Miguel. Porém, essa dinâmica tem atingido em cheio as locadoras. O dirigente relata que a média de tempo para entrega dos veículos ao setor é de 20 a 30 dias, porém, atualmente o prazo mínimo que as montadoras estão pedindo é de 60 dias.

 

Em entrevista recente à EXAME, Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, associação que reúne as montadoras, afirmou que a indústria automotiva está revendo seu portfólio para atender os clientes com mais assertividade, num momento em que o mercado ainda se recupera do forte tombo na pandemia.

 

“Essa leitura mais assertiva do mix de produtos é importante, uma vez que as empresas do setor não vão trabalhar com tanto estoque”, disse Moraes.

 

Essa também foi a postura adotada pelas empresas de locação no início da quarentena. “Durante a pandemia, algumas locadoras venderam frotas para adequar os pátios e esperavam ter carros para compra na retomada, o que não aconteceu. Isso vai acabar prejudicando principalmente a locação diária. Nos últimos feriados, algumas empresas ficaram sem veículos para locar.”

 

Diante disso, Miguel afirma que as locadoras já estão perdendo receita por falta de locação e esse problema pode aumentar no final do ano.

 

Em 2019, as locadoras compraram 540.000 veículos das montadoras, alta de 24% sobre o ano anterior. Segundo Miguel, as empresas do setor vêm expandindo sua área de atuação, principalmente com negócios como o aluguel para motoristas de aplicativo de transporte, que hoje representa 20% da receita.

 

A terceirização de frotas também é um nicho com potencial para as locadoras. De acordo com a Abla, em uma estimativa conservadora, de 70% a 80% das empresas brasileiras têm frota própria. Globalmente, esse índice cai para 40%. “No turismo, com locação diária, ainda temos muito a crescer.”

 

Renegociação de contratos

 

O setor de locação vive um momento de consolidação, com as três maiores empresas fundindo seus negócios, em um horizonte de dificuldades ocasionadas pela pandemia.

 

O presidente da Abla afirma que, no início da pandemia, todos os pedidos de carros para as montadoras foram suspensos. Em junho e julho, as locadoras voltaram a comprar, mas ainda havia fábricas paradas. Além disso, o varejo também ficou aquecido, acima do esperado, o que dificultou ainda mais a tarefa da indústria de atender o mercado.

 

“Não podemos falar de cumprimento dos contratos de entregas porque eles foram suspensos na pandemia. Agora, as locadoras estão renegociando para a entrega das frotas”, diz Miguel.

 

Além disso, outra frente de perda de rentabilidade das locadoras é a diminuição dos descontos concedidos pelas montadoras para vendas de grandes volumes. “Vivemos uma outra realidade, está havendo uma redução dos descontos para nós.”

 

No negócio de vendas diretas, as montadoras costumam conceder descontos consideráveis às locadoras para vendas de grandes volumes. Em períodos de crise, a parceria entre os dois setores costuma evitar prejuízos ainda maiores para a indústria automotiva, entretanto, nos últimos anos, diante de crises econômicas sucessivas, executivos de montadoras começaram a reclamar da “canibalização” do mercado, com descontos excessivos por parte de algumas empresas que estariam prejudicando o setor.

 

Em nota, a Anfavea afirma que a instabilidade no ritmo de produção se deve à paralisação de todas as fábricas em um determinado período da pandemia e que “isso gerou uma desorganização dos estoques nos pátios e nas concessionárias, e também do fluxo de fornecimento em toda a cadeia automotiva, seja de componentes, seja de insumos como o aço”.

 

A entidade acrescenta que, como o planejamento de produção de cada montadora é feito com grande antecedência, “foi preciso aguardar a retomada do mercado para entender os níveis de demanda para poder calibrar as encomendas de peças e insumos e a produção ao ritmo mais adequado”.

 

A Anfavea afirma ainda que “houve muitas mudanças no perfil de consumo por conta da pandemia, o que tem demandado adaptações no mix de produtos e também das versões de cada modelo.”

 

Para a Abla, a locação já vem aumentando com o brasileiro optando por viajar mais de carro. “Nossa preocupação reside efetivamente para o final do ano. Aconselhamos os clientes a garantir reservas de veículos antecipadamente, pois pode ser que eles não encontrem modelos para locação”, diz Miguel. (Portal Exame/Juliana Estigarribia)