BC mantém Selic, a taxa básica de juros, em 2% ao ano

O Estado de S. Paulo

 

Com a economia brasileira apenas no início de uma recuperação, na esteira da pandemia do novo coronavírus, o Banco Central decidiu na noite de ontem manter a Selic (a taxa básica de juros) em 2% ao ano, pela segunda vez consecutiva. Com isso, a taxa permaneceu no menor nível da série histórica do BC, iniciada em junho de 1996.

 

Para os próximos meses, a autarquia indicou que o espaço para mais cortes é pequeno e, ao mesmo tempo, que ainda não é necessário elevar a Selic. No entanto, a instituição reiterou suas preocupações com a área fiscal.

 

A decisão de ontem era largamente aguardada pelos economistas do mercado. De um total de 51 instituições consultadas pelo Projeções Broadcast, todas esperavam pela manutenção da Selic em 2% ao ano. A expectativa unânime é de que a taxa também encerrará 2020 no atual nível.

 

Com a Selic a 2% ao ano, o Brasil segue com juro real (descontada a inflação) negativo. Cálculos do site Money ou e da Infinity Asset Management indicam que o juro real brasileiro está em -0,75% ao ano. O País possui o 12º juro real mais alto do mundo, considerando as 40 economias mais relevantes. No topo do ranking está a Turquia, com juro real de 4%.

 

No comunicado que acompanhou a decisão de ontem, o BC reiterou que o prolongamento dos programas emergenciais, lançados durante a pandemia, e a frustração com o andamento das reformas podem elevar o risco fiscal.

 

O pano de fundo para essas preocupações são as articulações no governo e no Congresso para o lançamento do Renda Cidadã – novo programa social, que preencheria a lacuna dos programas emergenciais a partir de 2021. O principal problema é que ainda não se sabe como financiar o programa sem colocar em risco o equilíbrio fiscal, já frágil em função dos gastos durante a pandemia.

 

Na visão do BC, o “risco fiscal elevado” segue como um fator de alta para a inflação nos próximos anos. E com uma inflação mais alta, o BC pode ser obrigado a elevar a Selic no futuro. Ainda assim, por enquanto, avalia que as expectativas de inflação seguem controladas e que o “regime fiscal não foi alterado”.

 

Economistas do mercado financeiro ponderaram que, ao manter a possibilidade de corte residual da Selic, possivelmente de 0,25 ponto porcentual, o BC também se resguarda para o caso de a segunda onda de covid-19 se intensificar.

 

“Em que cenário veríamos o corte da Selic? Se virmos que a segunda onda de coronavírus vai se configurar não só nos países europeus, mas no mundo afora, atrasando o processo de recuperação da economia global”, avaliou a economista Paloma Brum, da Toro investimentos.

 

O BC não usou ontem a expressão “segunda onda” de contágio, mas citou uma “ressurgência da pandemia” em algumas das principais economias do planeta. Para a autarquia, a forte retomada em alguns setores produtivos nesses países já parece sofrer alguma desaceleração.

 

Inflação

 

O BC também atualizou suas projeções para a inflação. No entanto, pela primeira vez a autarquia divulgou números com base no câmbio que leva em conta a Paridade do Poder de Compra (PPC) do dólar.

 

No cenário que utiliza câmbio PPC e juros esperados pelo mercado financeiro, o BC projetou o IPCA – o índice oficial de inflação – de 2020 em 3,1%. No caso de 2021, a expectativa de inflação também é de 3,1% e, no de 2022, de 3,3%.

 

No comunicado sobre a Selic, porém, o BC reconheceu que as últimas leituras de inflação foram “acima do esperado”, em razão da alta dos preços dos alimentos e dos bens industriais. Apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o BC manteve o diagnóstico de que “esse choque é temporário”. (O Estado de S. Paulo/Fabrício de Castro, Eduardo Rodrigues, Mateus Fagundes e Raphael Ribeiro)