Governo não conversa mais com a indústria automotiva

Revista Auto Esporte

 

A indústria automobilística passou por diversas crises em sua história recente. Em nenhuma delas teve tanta dificuldade para encontrar saídas como na de agora.

 

No passado, esse setor acostumou-se a ser socorrido pelo governo cada vez que turbulências econômicas afetavam sua atividade. Sempre aparecia alguma resolução ou Medida Provisória para reduzir ou alterar tributos. Dessa vez, porém, o governo não acenou, até o momento, com medidas específicas para os fabricantes de veículos. E tem até mantido certa distância do setor.

 

Logo que o surto da covid-19 deu os primeiros sinais, os dirigentes das montadoras se mobilizaram para, em nome de um conjunto que uniu as empresas que representam, a cadeia de suprimentos e as concessionárias, solicitar apoio federal aos pedidos de financiamento. Com o governo como fiador essas empresas poderiam obter empréstimos bancários a taxas mais baixas. Mas não deu certo.

 

A pandemia agravou uma situação de rejeição que começou bem antes. No fim do primeiro semestre de 2019, os fabricantes de veículos se mobilizaram – em vão – para obter apoio do governo para reduzir custos com exportação. Solicitaram a elevação da alíquota do Reintegra, programa que devolve impostos pagos na exportação. Posteriormente, passaram a reivindicar também a devolução de créditos tributários acumulados com a exportação.

 

Nesse caso, foi um pedido legítimo, de dinheiro das empresas preso nos cofres públicos. Com a pandemia, os dirigentes do setor sugeriram até que esses recursos servissem de garantia caso o governo aceitasse ser o fiador dos empréstimos bancários, usados para honrar despesas com fornecedores e salários enquanto as fábricas estiveram fechadas. Mas os apelos das montadoras não sensibilizaram o governo, mais uma vez.

 

Embora a postura liberal do governo de Jair Bolsonaro seja taxativamente contrária a benesses setoriais, o que, por um lado, evita diferenças de tratamento na atividade produtiva do país, por outro expõe as fragilidades de uma indústria que, a essa altura, deveria estar pronta para ser competitiva globalmente.

 

As montadoras têm pela frente grandes desafios. Com a produção reduzida quase à metade neste ano, a ociosidade gira em torno de 60%, segundo informações de dirigentes da própria indústria. A quantidade de veículos produzidos por trabalhador caiu de 28 em 2019 para 16 em 2020, o que reforça a iminência de uma onda de demissões. Dados do Banco Central indicam que o endividamento das montadoras soma mais de R$ 46 bilhões, o maior dos últimos cinco anos. Esse contexto ainda torna claro que o Brasil poderá se distanciar cada vez mais do avanço tecnológico dos carros lançados em países desenvolvidos.

 

Há tempos Coreia do Sul e China decidiram fazer de suas indústrias automobilísticas setores estratégicos na competição global. Já o Brasil ainda não definiu se quer seguir o mesmo caminho, apesar de ter construído um parque robusto e de ter atraído grandes marcas norte-americanas, europeias e asiáticas. Governo e montadoras acomodaram-se durante os últimos anos no potencial do mercado interno de um país de dimensões continentais. E talvez não se deem conta de que a dinâmica econômica mundial mudou. (Revista Auto Esporte/Marli Olmos)