Jornal do Comércio
Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) para o período de 2019 a 2022, o paulista Luiz Carlos Moraes é graduado em Economia. Com 42 anos de experiência no setor automotivo, começou sua carreira na Mercedes-Benz do Brasil, onde atualmente ocupa o cargo de diretor de comunicação corporativa e relações institucionais. Em sua atuação na entidade, participou das discussões dos regimes automotivos Inovar-Auto e Rota 2030, assim como das novas legislações sobre emissões. Na entrevista a seguir, o executivo aborda o momento delicado da indústria automotiva no contexto da pandemia do novo coronavírus.
Jornal do Comércio – O que os fabricantes de veículos defendem que deveria ser feito pelo governo federal em termos de políticas macroeconômicas para uma retomada mais rápida e sustentável no Brasil?
Luiz Carlos Moraes – No que se refere especificamente ao setor automobilístico, a taxa de juros do CDC (crédito direto ao consumidor), está muito alta ainda. A Selic caiu, mas na ponta, os juros ainda são bastante elevados. O que os bancos alegam é que a inadimplência no curto prazo aumentará e, por isso, estão precificando a mais para poder ter uma reserva de segurança. O IOF (imposto sobre operações financeiras), que havia sido eliminado, volta a incidir agora no início de outubro, encarecendo ainda mais o custo do crédito – estamos sugerindo ao governo federal eliminar ou, pelos menos, postergar a isenção do IOF, pois isso tem impacto direto na compra do veículo novo ou usado.
JC – Recentemente, a Volkswagen do Brasil anunciou que está considerando demitir até 35% dos seus colaboradores. Outras montadoras podem ter que tomar decisão semelhante? Possíveis demissões serão resultado exclusivamente da pandemia ou uma realidade antecipada por ela, mas catalisada por fatores sensíveis da indústria automobilística, como a maior automação da produção e a necessidade de redução de custos operacionais?
Moraes – Quando a indústria está trabalhando com a projeção, no ano de 2020, de produzir mais de 3,2 milhões de veículos e esse número vai cair para menos de 2 milhões, são inevitáveis os cortes de mão-de-obra. Se não houver retorno robusto da demanda, tanto no mercado interno quanto nas exportações, é pouco provável que a gente consiga manter o número de empregos no setor automotivo. Trata-se de um problema estrutural, causado, realmente, pela pandemia. Infelizmente, terão que ser feitos ajustes para o novo tamanho da indústria, esperando que os volumes retomem o mais rápido possível. E, para voltarmos a contratar, precisaremos ter algum nível de certeza de que essa retomada do mercado não é pontual, que veio para ficar.
JC – A pressão dos custos já chegou nos preços dos carros?
Moraes – A pressão dos custos é um fato. No início deste ano, o dólar subiu de R$ 4,00 para R$ 4,60 e, hoje, está oscilando acima de R$ 5,00. A influência do valor da moeda norte-americana é direta no setor automotivo, assim como o preço do aço. São variáveis que afetam o nosso fornecedor e a indústria como um todo. Cada montadora tem uma “dor” em termos de custo, que também varia conforme o modelo do veículo, em função da quantidade de conteúdo importado. E, com a pandemia, ainda temos o custo extra da ociosidade das fábricas pela queda da demanda, que as empresas também precisam amortizar.
JC – Especialistas têm sustentado que a pandemia poderá promover um resgate do automóvel como meio de locomoção individual, por ser mais seguro com relação à saúde pessoal ao manter seu usuário livre das aglomerações do transporte público. O senhor concorda com essa análise?
Moraes – Temos observado o consumidor preocupado com o transporte coletivo, considerando optar por uma “célula de proteção”, que seria o carro próprio. Locadoras também relataram sobre pessoas interessadas em alugar automóveis por alguns meses, pois estariam receosas de comprar um veículo próprio por medo do desemprego. Mas isso não resolve o problema da mobilidade, pois 70 a 80 milhões de brasileiros dependem do transporte público. Diferentemente de outros países, onde as economias são fortes e o aumento substancial da presença do automóvel pode ocorrer, no Brasil, embora haja também essa tendência, ela não será tão forte porque nossa sociedade depende mais do transporte público.
JC – Os movimentos de fusão (ou união) de montadoras em grupos cada vez maiores seguem sendo “pauta do dia” para os executivos das empresas. Até onde essa concentração pode ir?
Moraes – Não necessariamente fusões, mas parcerias em projetos específicos e estratégicos serão uma tendência cada mais forte daqui para frente, devido à queda na receita das empresas. (Jornal do Comércio/Vinicius Ferlauto)