O País precisa do seguro obrigatório de veículos

O Estado de S. Paulo

 

No final do ano passado, o governo federal desencadeou uma violenta ação contra o DPVAT (danos pessoais causados por veículos automotores terrestres), o seguro obrigatório de veículos. O grande momento do movimento foi uma medida provisória que acabou caducando, seguida da redução do prêmio do seguro para pouco mais de R$ 5 por ano, quantia absolutamente insuficiente para pagar os custos da operação, e que foi determinado para acabar com as reservas técnicas do seguro obrigatório, como forma de compensar a não aprovação da medida provisória.

 

Até agora, não se tem noção do que efetivamente desencadeou o ódio federal contra um seguro que, entre secos e molhados, nos últimos anos vem prestando relevantes serviços para a manutenção da paz social, indenizando mais ou menos 400 mil famílias anualmente.

 

É um absurdo, mas a soma dos mortos e inválidos e também dos custos médico-hospitalares atinge perto de 400 mil vítimas indenizadas pelo seguro obrigatório todos os anos.

 

Mesmo se aceitarmos a afirmação de que os valores das indenizações são baixos, ainda assim o seguro faz sentido. Basta tomar o auxílio de R$ 600 mensais dado pelo governo para as pessoas mais pobres durante a pandemia do coronavírus e compará-lo com os R$ 13.500,00 das indenizações por morte e invalidez permanente do seguro obrigatório para ver que o DPVAT paga mais e melhor, ou com menos burocracia.

 

Num país com mais de 100 milhões de pessoas próximas da linha de pobreza e com um salário mínimo de pouco mais de mil reais, a indenização do DPVAT significa para as famílias das vítimas dos acidentes de trânsito um ano com mais recursos do que a maioria destes 100 milhões de brasileiros recebe.

 

Só isto já justifica um seguro obrigatório com as características do DPVAT, entre as quais as duas mais importantes são a não necessidade de culpa do motorista e o pagamento, por um único bilhete, de todas as indenizações de danos corporais decorrentes do acidente.

 

Não é verdade a afirmação feita por agentes do governo federal de que o INSS e o SUS suprem com vantagem a existência deste seguro. Se fosse assim, os hospitais não cobrariam do seguro obrigatório os custos médico-hospitalares havidos com as vítimas de acidentes de trânsito, nem metade do faturamento do seguro seria destinada ao SUS.

 

Além disso, o valor da indenização é pago em excesso dos direitos previdenciários das vítimas e de suas famílias, quer dizer, não há compensação, mas complementação, ou seja, mais dinheiro para as vítimas.

 

O seguro obrigatório apresentava problemas de gestão e fraude? Para resolver os primeiros, não é necessário acabar com o seguro, mas tomar as medidas para sanear os problemas. Já as fraudes, se praticadas para o recebimento das indenizações, não são responsabilidade da Seguradora Líder, que tem a gestão do seguro DPVAT, mas de Polícia.

 

Não está claro o que vai acontecer. Tem quem diga que o atual modelo do DPVAT está com os dias contados. Que o produto ficou seriamente arranhado e sua credibilidade, comprometida.

 

Pode ser, mas o fato é que ele continua pagando as indenizações e sendo essencial para a grande maioria das vítimas dos acidentes de trânsito.

 

Assim, ainda que o modelo atual esteja condenado, o conceito do seguro é bom, eficiente e atende a necessidades de um país como o Brasil. A questão não é o desenho do produto, mas, eventualmente, de redesenho de sua operação. O que deveria ser discutido não é um seguro que paga com eficiência 400 mil vítimas de acidentes de trânsito todos os anos e que já chegou a contribuir com mais de R$ 3 bilhões anuais para o caixa do SUS.

 

O que está em jogo é como este seguro funciona. Ele tem problemas que podem ser sanados? Pode ser aprimorado? A formatação atual com apenas a Seguradora Líder do DPVAT fazendo sua gestão não é bom?

 

Muito bem, que se faça a revisão necessária ao seu aprimoramento, mas para isto não é necessário desmontar uma infraestrutura operacional que paga sinistros em todo o território nacional. (O Estado de S. Paulo/Antonio Penteado Mendonça, sócio de Penteado e Char Advocacia e secretário-geral da Academia Paulista de Letras)