Por que a indústria automotiva deveria antecipar a redução de emissões?

Portal Exame

 

A pandemia tem nos ensinado muitas coisas. Entre elas que, com menos carros nas ruas, o ar fica mais limpo e, portanto, melhor para respirar. E respirar nunca fui tão importante como nesses tempos de coronavírus. O que nem todo mundo sabe é que, mesmo quando a circulação voltar ao normal, podemos melhorar o padrão de emissões dos nossos veículos, a partir de 2022.

 

Nós vamos respirar melhor em 2022 porque esse é o prazo para que a próxima fase do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), conhecida como P-8, comece a vigorar. Inicialmente, a norma pede mudanças nos veículos movidos à diesel, como ônibus e caminhões, e tem até 2031 para ser aplicada, progressivamente, nos veículos leves, como os carros de passeio (fases L-7 e L-8). Essa evolução no padrão de emissões tem vários benefícios. Além de melhorar nossa saúde, incentiva a indústria brasileira a se manter atualizada e competitiva globalmente.

 

No entanto, algumas empresas estão tentando adiar os prazos para a próxima fase do Proconve. Argumentam que não têm condições de arcar com os custos de modernização das fábricas. No entanto, a indústria tem sido capaz de se modernizar nas últimas décadas, acompanhando cada fase de aprimoramento do Proconve, sem nenhum impacto negativo para as empresas. Inclusive quando a medida foi assinada, em 2018, houve consenso entre montadoras de veículos e sistemistas de que o período de ajustes era plausível e o maior prazo entre os propostos à época foi aprovado.

 

A ideia dessa norma, sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, é que a gente continue numa evolução gradual, que vai aumentando o nível de exigência em função da tecnologia de controle e a introdução de combustíveis alternativos, como biocombustíveis. A P-8 aperta os limites de emissão em massa de partículas. O que isso quer dizer? Uma redução bastante significativa de gases nocivos, além da instalação de ferramentas mais efetivas para realizar esse controle nos veículos pesados, que são os mais poluentes. Essa fase é uma oportunidade de melhorias, não só ambientais, com a redução de gases de efeito estufa e mais qualidade do ar. Também teremos, entre outras vantagens, mais inovação tecnológica que nos leve a poluir menos, aumento no número de vagas de empregos e mais competitividade no mercado internacional.

 

Para começar, a indústria é beneficiada pela inovação tecnológica. “O P-8 é o estado da arte, ou seja, o que temos de mais efetivo hoje quando o assunto é o controle de emissões”, explica Carmen Araújo, que é consultora da International Council on Clean Transportation (ICCT). Uma indústria que se propõe a investir na produção de novos catalisadores, material químico e sensores eletrônicos caminha para estar lado a lado do que já é produzido em países que já entenderam a importância de cessar a poluição gradativamente. A produção dos componentes para reduzir as emissões envolve o desenvolvimento de indústria brasileira para produzir os catalisadores, sensores, filtros e equipamentos eletrônicos envolvidos. E a indústria química também produz substâncias e materiais para isso. O resultado é que nosso parque industrial fica mais sofisticado, geramos empregos qualificados e demandamos desenvolvimento de tecnologia no Brasil alinhada com o que existe de mais avançado no mundo.

 

Com carros mais avançados – e com um sofisticado ecossistema de fornecedores de peças, materiais e conhecimento tecnológico – teremos mais condições de competir no mercado internacional, especialmente com os veículos pesados, os que mais vendemos para fora. O P-8 é equivalente ao Euro VI, que já é exigência em pelo menos metade das vendas globais de ônibus e caminhões. Os Estados Unidos, por exemplo, já implantaram essa tecnologia há mais de 10 anos e a Europa, desde 2014. Ou seja, deveríamos antecipar o nosso prazo, pois já estamos atrasados.

 

“O Brasil, tradicionalmente, atende a mercados secundários, que são pouco exigentes para novas legislações”, explica Carmen Araújo. No entanto, temos potencial para muito mais que isso. É importante lembrar que muitas montadoras localizadas aqui têm suas sedes na Europa e já fabricam com essa tecnologia. Inclusive, muitas delas já produzem esses veículos aqui, mas os vendem apenas para fora.

 

Um bom exemplo para entendermos a importância de caminharmos junto com a inovação é a história dos Estados Unidos na década de 70, quando aconteceu a crise do petróleo. Na época, a indústria automobilística americana fez pressão para que não fossem implementados novos padrões de exigência que tornariam os veículos mais econômicos. O governo cedeu e como resultado o país acabou perdendo mercado para as indústrias europeia e japonesa, que estavam fabricando carros muito mais modernos e econômicos, o que contribuiu para agravar a recessão que os americanos acabaram vivendo naquele momento.

 

Além disso, um setor que inova e cresce, contrata mais. Muitos empregos podem ser gerados, já que trabalhadores serão necessários para sustentar esse crescimento da indústria. Novas oportunidades no mercado de trabalho são sempre muito bem-vindas, ainda mais agora em que o país discute como será a recuperação econômica pós-pandemia.

 

Dados do Caged, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, divulgados em janeiro deste ano, mostram que o emprego formal no Brasil registrou crescimento em 2019 com abertura de vagas no setor de comércio e serviços. Na indústria automotiva, no entanto, houve baixa. O número de empregados no setor no ano passado era de 125,6 mil trabalhadores, cerca de 5 mil a menos do que o registrado em 2018. Com a pandemia a situação se agravou. Não seria essa uma boa oportunidade para voltarmos a gerar os empregos perdidos nessa área?

 

A manutenção dos prazos já acordados no Proconve também é urgente para garantir mais saúde para a nossa população. A estimativa dos pesquisadores é que cada dólar investido nessas tecnologias que reduzem a poluição signifique pelo menos 11 dólares economizados, quando contabilizamos os gastos com saúde e o risco de mortes prematuras causadas pela pelo ar poluído.

 

A Covid-19 ataca de forma mais grave as vias aéreas e respirar um ar menos poluído tem tudo a ver com a diminuição dos casos de infecções mais graves. A longo prazo, infelizmente, teremos que conviver com a doença causada pelo coronavírus e pensar nisso é, portanto, prioridade. Pesquisadores da Universidade de Harvard identificaram, ainda, que há significativa relação entre a poluição e os índices de mortalidade.

 

Considerando todos os benefícios de padrões mais exigentes de emissões – para a saúde, para os empregos, para a competitividade da indústria – precisamos garantir que o Brasil continue evoluindo. Isso significa seguir com o programa de eficiência dos veículos. Ou talvez até acelerar seus prazos. Um adiamento agora seria ir na contramão do que o mundo está fazendo, que é incluir nos planos de retomada econômica pós-Covid políticas que considerem aspectos sociais e ambientais, e desencorajar o uso de meios de transporte movidos a combustíveis fósseis, além de incentivar a adoção de veículos zero emissão. O caminho para a indústria brasileira é para frente, para a inovação e para o desenvolvimento tecnológico. Apostar nas carroças nunca foi uma boa opção. A próxima etapa de carros com menores emissões precisa vir o quanto antes. Nós merecemos os melhores carros. (Portal Exame/Com Angélica Queiroz)