O Estado de S. Paulo
A pandemia de covid-19 mudou o mundo ao estabelecer um “novo normal” no cotidiano das pessoas e das empresas. Entre as mudanças decorrentes da necessidade de distanciamento social, uma das mais significativas e transformadoras foi a ampla adoção de home office, o trabalho em casa.
Há alguns anos se esperava uma expansão significativa do trabalho remoto no Brasil, mas a promessa nunca se cumpria na dimensão imaginada. Até que veio a pandemia e acelerou o processo, ainda que isso não tenha ocorrido nas condições ideais. O caráter emergencial impediu uma preparação adequada, no que diz respeito tanto à infraestrutura física quanto às negociações familiares sobre o assunto.
O fato é que, ainda assim, muitos profissionais e empresas estão aprovando a experiência e gostariam de torná-la permanente mesmo depois da pandemia. Senão em tempo integral, ao menos em esquema parcial, um ou dois dias por semana.
Nova mentalidade
Para o professor André Miceli, coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as transformações decorrentes da pandemia serão profundas. Ele projeta um aumento de 30% na adoção definitiva de home office no Brasil em relação ao estágio pré-pandemia.
“O modelo de trabalho nunca mais será o mesmo, e oportunidades vão nascer. A tecnologia é cada vez mais um ativo humano e, diante desse cenário, torna-se necessário entender que o passado não é mais um guia para o futuro”, analisa Miceli.
Pesquisa realizada pela consultoria Cushman & Wakefield concluiu que 74% das empresas multinacionais que atuam no Brasil pretendem adotar o home office como prática permanente após a pandemia. Uma das principais vantagens é a perspectiva de redução de custos fixos.
“É importante que todos os procedimentos e regras relacionados à segurança estejam claramente definidos e divulgados entre os funcionários” Renato Opice Blum, advogado.
Exemplos não faltam de mudanças drásticas nas relações de trabalho em decorrência da pandemia. Após adotar o home office em todo o mundo, a operadora de telefonia TIM descobriu que, mesmo em um cenário de normalidade, 90% dos colaboradores gostariam de continuar atuando em casa pelo menos duas vezes por semana, interessados em maior flexibilidade e proximidade com a família.
A XP, holding com atuação no mercado financeiro, já decidiu prorrogar o home office até dezembro e estuda a adoção em definitivo da prática para seus 2,7 mil funcionários em São Paulo, Rio, Nova York e Miami – nesse caso, os escritórios físicos seriam drasticamente reduzidos, e alguns continuariam existindo apenas como pontos de encontro.
Obstáculos a superar
A tendência conta com o apoio até mesmo da maioria dos executivos, desafiados a buscar novas formas de liderança, que excluam a presença física em tempo integral. Dos 122 executivos ouvidos na pesquisa da Cushman & Wakefield, 59% acreditam que a prática do home office envolve mais pontos positivos que negativos.
Para que o home office se consolide de fato no Brasil, é necessário equacionar uma série de aspectos que estão sendo subestimados durante a pandemia por conta da urgência de transferir o trabalho para o ambiente doméstico.
Uma das questões fundamentais é a segurança das informações. O risco de vazamento de dados aumenta consideravelmente com a disseminação do home office, pois as residências não estão equipadas com o mesmo arsenal de proteção que os escritórios. Construir esse sistema, vital sobretudo para as empresas que têm as informações como principal ativo, exige planejamento e investimentos.
Regras claras
O advogado e economista Renato Opice Blum, considerado um dos maiores especialistas em direito digital do País, vem registrando em seu escritório uma demanda crescente de empresas interessadas em estabelecer parâmetros de segurança na relação com os funcionários instalados em home office.
“É importante que todos os procedimentos e regras relacionados à segurança estejam claramente definidos e divulgados entre os funcionários, sobretudo os que estão em home office, para que ninguém possa alegar desconhecimento ao tomar uma eventual atitude de risco”, explica Opice Blum, que desenvolveu um guia com os principais temas aos quais as empresam devem prestar atenção nesse processo.
É preciso verificar, por exemplo, se os softwares e demais canais de comunicação utilizados pelos funcionários, incluindo as ferramentas de chat e videoconferência, são licenciados e protegidos, com versões legalizadas e atualizadas.
Há também as questões relacionadas ao conforto físico dos trabalhadores, que precisam dispor em casa de infraestrutura adequada. Na urgência da pandemia, esse aspecto nem sempre tem sido cuidado com a devida atenção. No pós-pandemia, espera-se que os empregadores apoiem os seus funcionários em home office na aquisição de móveis indicados para o exercício confortável e saudável do trabalho. (O Estado de S. Paulo)