O Estado de S. Paulo
Há quase dez anos, o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) trabalha para salvar vidas no trânsito. Mas essa não é uma ação simples, muito menos exata. Segurança viária envolve, entre tantos outros fatores, ambiente, política, cultura, economia. Para facilitar o entendimento do público em geral, os técnicos dividem as ações em três fatores: o humano, a via e o veículo. Agindo sobre eles, praticamente englobamos toda a sociedade, sem exceção.
Desde o início do trabalho do Observatório, em 2010, temos atuado fortemente nos dois primeiros fatores: o humano e a via. Agora, chegou a hora de olhar com mais atenção para o terceiro fator: o veículo. Por isso, o Observatório lançou o Programa Frota Segura & Sustentável a fim de estar alinhado com as Metas Globais de Desempenho para a Segurança no Trânsito, que têm como objetivo reduzir os acidentes com mortes e feridos. Essas metas, por sua vez, fazem parte de uma proposta da Organização das Nações Unidas (ONU) para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2020–2030.
Para que tudo isso seja cumprido, é preciso garantir que todos os veículos produzidos e vendidos a todos os mercados até 2030 estejam equipados com níveis adequados de desempenho em segurança e que sejam fornecidos incentivos, sempre que possível, para o uso de veículos com funcionamento aprimorado em segurança.
Índice para medir os níveis de segurança
Mas, afinal, o que são níveis adequados em segurança quando tratamos de um veículo? Para medir esse índice, é preciso usar indicadores de desempenho de segurança viária (em inglês, Safety Performance Indicators) associados ao comportamento humano, às condições da via e às características da frota veicular. Esses parâmetros são utilizados em todo o mundo para avaliar as condições físicas e operacionais do sistema de trânsito com o objetivo de gerir as condições atuais da segurança, monitorar sua evolução, planejar ações e verificar a efetividade das intervenções realizadas.
Em se tratando dos veículos, os indicadores de desempenho são compostos por alguns dados, como idade média da frota, percentual de motocicletas na frota existente, percentual de veículos equipados com air bag, percentual de veículos equipados com freios ABS, percentual de veículos equipados com pneus em bom estado de conservação, percentual de veículos com cinto de segurança funcionando adequadamente, percentual de veículos com sistema de fixação de Isofix (sistema internacional de fixação de cadeiras para crianças que prende os assentos diretamente ao chassi do carro), percentual de veículos com sistema de iluminação adequado e percentual de municípios que realizam a inspeção veicular periódica.
No Brasil, porém, pouco se fez até agora para garantirmos veículos seguros pelas ruas e rodovias. Ao longo das últimas décadas, pudemos assistir a uma série de medidas sem efeito ou que “não pegou” entre os legisladores ou executores das leis. Analisando a história recente, chegamos à conclusão de que é preciso um programa macro, robusto, que envolva não só fabricantes, mas também toda a cadeia produtiva, os governantes e, claro, a sociedade.
Porém, mais que um programa, identificamos uma forma de, além de salvar vidas, auxiliar diretamente três áreas que estão na pauta do País atualmente: o meio ambiente, as questões sociais e as condições econômicas.
Veículos mais seguros
Um dos indicadores de desempenho proposto pelo Programa Frota Segura é identificar a idade da frota veicular com base na premissa de que veículos mais novos possuem melhor nível de segurança, seja pela disponibilidade de mais equipamentos de segurança ativa ou passiva, seja pela tecnologia empregada na sua fabricação.
O primeiro trabalho do programa foi fazer um levantamento intitulado Retrato da Frota com o objetivo de identificar como está o envelhecimento de nossa frota, saber onde estão concentrados os veículos mais velhos, quais são esses modelos, entre outros dados. Todo esse estudo permite um planejamento de ações que envolvam a avaliação desses veículos nos quesitos segurança e ambiental para, em um primeiro momento, propormos uma renovação dessa frota em regiões específicas do País. E, posteriormente, dar a destinação ambiental correta a esses veículos que não mais irão circular.
Mapear onde se encontram as frotas mais antigas do País permite também planejar ações de renovação sobre elas em regiões específicas. Adicionalmente, sua renovação traz benefícios em diversos setores: Na segurança viária, com veículos com maior nível de segurança no meio ambiente, visto que veículos mais novos tendem a poluir menos na economia, pois o reaquecimento da indústria automobilística é estratégico para a retomada do crescimento econômico no Brasil.
O programa quer ainda criar uma inspeção de segurança e ambiental; quer a renovação da frota; e, por fim, dar uma destinação correta aos veículos fora de uso. Para isso, precisamos avaliar os itens de segurança da frota atual, avaliar as emissões que essa frota circulante está jogando na atmosfera, identificar os veículos fora do padrão e os que têm mais de 25 anos de uso. Melhorando esses itens, teremos veículos mais seguros e menos poluentes, um aquecimento da economia pela substituição dos veículos velhos por novos e, por fim, um meio ambiente mais protegido do descarte equivocado ou ilegal da destinação dos componentes.
A visão do Observatório Nacional de Segurança Viária é de que precisamos de condutores mais seguros, em vias mais seguras, dirigindo veículos mais seguros. Apenas com ações articuladas em prol desses três objetivos é que será possível poupar mais e mais vidas no trânsito. Como próximo passo, sugerimos a realização de um plano estratégico de segurança viária da frota veicular brasileira com base em indicadores de desempenho, estabelecimento de metas e ações. (O Estado de S. Paulo/José Aurélio Ramalho)