Mais globalização, e não menos

O Estado de S. Paulo

 

Na última terça-feira, Luiz Carlos Moraes, o presidente da Anfavea, instituição que defende os interesses das montadoras de veículos, advertiu que o dólar acima dos R$ 5 obrigará o setor a aumentar os preços dos seus produtos, apesar da atual queda da demanda, de cerca de 50%.

 

A justificativa é a alta dos custos das autopeças e dos insumos importados pela disparada do dólar. Embora Moraes esteja apenas tratando de preparar o consumidor para novos reajustes, o argumento reforça a percepção de que as montadoras estão mais dependentes de suprimento externo, o que leva alguns a pedir mais produção local e menos importações.

 

Em parte, essa dependência é o efeito de maior integração regional no âmbito do Mercosul, porque as empresas tiveram de compensar aumento de exportações de produtos finais com aumento de importações de autopeças.

 

Mas o maior fator de dependência externa foi a necessidade de inserir as montadoras na cadeia global de suprimentos. Empresas que produzem quase tudo de que necessitam não conseguem escala de produção e, nessas condições, produzem a custos mais altos, o que derruba sua competitividade. Em contrapartida, empresas mais conectadas podem ficar sujeitas a atrasos ou quebras de suprimentos em caso de crise, como a de agora.

 

A pandemia trouxe de volta pressões para que os governos passem a adotar políticas para eliminar ou reduzir a dependência de suprimento externo, que se tornou problemática com a paralisação das empresas. Essas pressões começaram com materiais de saúde (ventiladores pulmonares, equipamentos hospitalares, kits de testes, medicamentos), passaram para os alimentos e daí para produtos industrializados.

 

O argumento é o de que a cadeia global de suprimentos e, com ela, o processo de globalização deixam empresas e sociedades vulneráveis. Daí por que seria preciso tornar o país autossuficiente e aproveitar o processo para criar empregos. Essa pressão integra a onda nacionalista e xenófoba, contrária à integração comercial, que enxerga o diabo em tudo o que vem de fora, a começar pelos imigrantes e refugiados.

 

Não está claro como e quando essa tendência será revertida. Mas há alguns fatores que puxam por essa reversão. Um deles, já mencionado, é o aumento de custos que adviria de grande fragmentação do sistema produtivo, o que tiraria competitividade das empresas. Outro é o imperativo da tecnologia. Não é viável desenvolver tecnologias próprias em todos os ramos da atividade, principalmente na área da informação digital. A escolha por determinadas soluções implica o suprimento de equipamentos e peças, como se vê agora no desenvolvimento das conexões 5G.

 

O terceiro fator é a necessidade de mais globalização, e não menos, para encaminhar soluções para problemas que atingem a todos os países: necessidade de criar um imposto global sobre serviços digitais; necessidade de adotar políticas comuns para controle da imigração; e necessidade de criar mecanismos globais capazes de prevenir e de atacar com eficácia o alastramento de pandemias. Finalmente, o quarto fator: a necessidade de coordenar políticas comuns para contra-atacar o aquecimento global.

 

O avanço do câmbio deveria aumentar o afluxo de dólares porque aumenta o volume de reais que se pode obter por unidade de moeda estrangeira. Mas o Investimento Direto no País caiu 35% nos cinco primeiros meses do ano (em relação a igual período do ano anterior). Cresce o volume de incertezas que afugentam o investidor estrangeiro: a deterioração das contas públicas; a falta de coordenação do governo para o contra-ataque ao coronavírus; o atraso das reformas; e, acima de tudo, o caos político. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)