Pós-crise deve abrir espaço a veículo usado

Diário do Grande ABC

 

O mercado automotivo se prepara para enfrentar grandes desafios no período pós-pandemia. As montadoras começam a se preocupar com o comportamento futuro do consumidor, que tende a optar pela compra de veículos usados e modelos mais baratos. A expectativa foi apresentada ontem na Conexão Anfavea, mesa-redonda on-line entre especialistas e entidades representantes do setor para debater o tema.

 

Organizado pela Anfavea (Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores), o encontro tem por objetivo tentar entender o momento e a influência no mercado. Para se ter ideia do impacto que a pandemia já provoca, a indústria do País, que tem capacidade de produção de 5 milhões de veículos por ano, estima que neste 2020 este número fique em torno de 1,5 milhão – no início do ano eram previstos 3,16 milhões. Em 2019, saíram das montadoras 2,9 milhões de veículos.

 

De acordo com o presidente da Anfavea, Luiz Carlos de Moraes, que participou da live, é momento de rever o planejamento. “A questão da sobrevivência da indústria, com essa queda abrupta da receita, é que temos de redefinir as prioridades. Muitas empresas congelaram parte dos investimentos e estão definindo o que deve ser priorizado para atender à demanda do consumidor. Mas é momento de revisão total no cronograma de investimentos da indústria, principalmente no Brasil.”

 

O líder para indústria automotiva da KPMG Brasil, Ricardo Bacellar, que também participou do debate, afirmou que não há consenso de quando o consumidor deve voltar a ter interesse na compra, e isso acontece em intensidades diferentes, dependendo de cada região do mundo. “Tem um componente importante, que é a questão do bolso. O consumidor está buscando veículos mais baratos ou usados e seminovos para voltar devagar. Aqui no Brasil, prevalecendo essa tendência, vamos ter duas primeiras ondas (nas compras de usados e seminovos), que não se refletem em produção, porque estes carros já estão no mercado. Se levarmos em consideração que as locadoras também sentiram um baque forte no negócio, a tendência é ter volume enorme de carros seminovos disponíveis e, para tirar o proveito máximo disso, o mercado vai ter alto número de ofertas.”

 

Coordenador de MBA em gestão estratégica de empresas da cadeia automotiva da FGV (Fundação Getulio Vargas), Antonio Jorge Martins afirmou que, apesar do quadro indefinido, realmente existe essa tendência. “A lógica indica aumento na venda de usados. Isso porque é projetada uma queda do PIB (Produto Interno Bruto). Isso representa também queda na renda, o que significa que para os consumidores, de forma geral, os itens de maior valor deixam de ser o foco. Desde setores como alimentação até imóveis e veículos, deve acontecer uma procura por produtos mais baratos”, disse.

 

As plataformas de vendas já mostram essa nova tendência. “Nós sentimos aumento nas ofertas de carros mais novos em anúncios de usados e também de propostas sendo enviadas para carros de dois anos (de fabricação) para baixo. Isso mostra que as pessoas estão precisando de dinheiro e optam por pegar um carro mais barato, para fazer uma troca”, disse o CEO da Webmotors, Eduardo Jurcevic, outro participante do debate.

 

Questionado sobre a tendência, o superintendente do Sincodiv-SP (Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado de São Paulo), Octavio Vallejo, afirmou que há perspectiva grande para as vendas após uma demanda reprimida nos últimos meses. “Existe uma ansiedade de efetivar essa compra, que pode ter sido adiada por causa da diminuição na receita ou até mesmo pelo fechamento das lojas físicas, mas aquela vontade permanece”, disse, completando que a procura está começando a se materializar. “Apesar disso, o comprador dos carros top de linha permanece o mesmo, e sem contar que é uma faixa que não é afetada”, disse.

 

Estoque e capacidade ociosa são desafios

 

A crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus impacta diretamente a indústria automotiva. Entre as dificuldades causadas pela situação estão o aumento da capacidade ociosa e do estoque das montadoras.

 

“É um momento difícil, mas estamos tentando entender a extensão dessa crise. Tivemos aumento da capacidade ociosa por causa da queda no mercado interno e também nos países que a indústria exporta. O que estamos fazendo é uma gestão de mão de obra com a MP (Medida Provisória) 936”, disse o presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Luiz Carlos Moraes,

 

“Tivemos um aumento importante do desemprego (no País), e as pessoas com emprego estão com receio de investir. A taxa de juros está aumentando para o consumidor final, porque os bancos estão vendo provável aumento de inadimplência. Para aumentar a complexidade da situação, temos crescimento de custo grande de material importado por causa da alta do dólar. Além da queda no volume de mercado interno, tivemos aumento do custo fixo por causa da ociosidade. Não é fácil. Tenho certeza de que essa é a pior crise da história da indústria automobilística no Brasil e estamos tentando digerir isso”, afirmou Moraes.

 

Atualmente, o estoque da indústria automotiva é de 64,2 mil veículos nas fábricas, de acordo com dados da Anfavea de maio deste ano. Este número totaliza cerca de 31 dias de vendas. Nas concessionárias, são 135,9 mil.

 

A Conexão Anfavea continua na tarde de hoje, quando, junto com a Webmotors, será apresentada pesquisa exclusiva que indica a intenção de compra no atual cenário do mercado brasileiro. (Diário do Grande ABC/Yara Ferraz)