Para economistas, crise causada pela pandemia deve levar a alta de impostos

O Estado de S. Paulo

 

Analistas concordam que governo precisa gastar para amenizar os efeitos da quarentena na economia, mas se preocupam com trajetória do endividamento; dívida bruta brasileira deverá passar dos 76% do PIB, em 2019, para algo entre 92% e 96% neste ano

 

Com a redução da atividade econômica e o aumento dos gastos públicos para amenizar os efeitos da quarentena, o endividamento bruto brasileiro deverá passar dos 76% do Produto Interno Bruto (PIB), registrados no fim de 2019, para algo entre 92% e 96% neste ano. Apesar de quase não haver dúvidas entre os economistas de que, agora, o governo precisa gastar, há preocupações com o impacto do aumento da dívida no futuro da economia.

 

Para alguns analistas, o aumento dos gastos públicos e a queda do PIB neste ano devem tornar praticamente inevitável uma alta nos impostos no futuro. “Mas isso terá de ser feito de forma muita bem pensada e temporária”, destaca a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). Ela não vê espaço para um ajuste fiscal draconiano a partir do próximo ano. Dado o tamanho da crise, diz, o crescimento continuará fraco em 2021 e, portanto, não será fácil fazer cortes.

 

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, também acredita que um aumento de impostos será necessário, e diz que possivelmente ele ocorrerá na alíquota do Imposto de Renda. “Uma parte desse ajuste vai ter de passar por um aumento de imposto, possivelmente de renda, de quem é CLT. Talvez aumentar a alíquota máxima de 27,5% para 35%, por exemplo, e aumentar o imposto também das pessoas jurídicas.”

 

Vale aponta ainda que serão necessárias outras medidas extraordinárias para reduzir o endividamento, como o uso de reservas internacionais para financiar gastos, uma reforma administrativa severa e um programa de privatizações robusto. “Isso daria um sinal de que o governo está realmente interessado em reformas, o que será muito difícil de acontecer no governo Bolsonaro. Aparentemente, ninguém do governo está pensando no pós-crise. As medidas (futuras) serão duras e difíceis de passar no Congresso. Bolsonaro entrou, não conseguiu fazer nada até agora e está afundando (o País) cada vez mais”, afirma.

 

A necessidade de aumento de impostos é levantada também pelo economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Para ele, no entanto, esse incremento não deverá ocorrer no Imposto de Renda, pois a classe média já está muito pressionada.

 

“A primeira coisa que vai sair é tributação de dividendos pago pelas empresas. Uma tributação maior para bancos também vai ser necessária e, talvez, algum tipo de contribuição sobre movimentação financeira”, diz.

 

Crise política é risco para o controle da trajetória da dívida

 

O impacto do aumento da dívida no futuro da economia dependerá de dois pontos cruciais. O primeiro é que a ampliação dos gastos públicos seja temporária e restrita a medidas relacionadas à covid-19 – a história brasileira, no entanto, indica uma certa dificuldade do País em pôr fim a benefícios concedidos em tempos de crise. Outra questão relevante neste momento é a crise política, que pode fazer com que o governo perca o controle da trajetória da dívida.

 

“O mais importante para termos crescimento depois dessa crise é a manutenção dos juros baixos. Para isso, é preciso sinalizar que o aumento dos gastos é transitório”, diz o economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco.

 

Um incremento dos gastos públicos permanentes pode elevar a dívida brasileira a patamares que investidores considerem que há risco de insolvência, o que elevaria a taxa de juros pedida por eles para emprestarem ao País.

 

Segundo cálculos de Schneider, o déficit primário (despesas do governo menos receitas, excluindo gastos com juros) deste ano deve chegar a 10,2% do PIB – a meta inicial era 1,6%. Com o aumento dos gastos e a queda prevista de 4,5% da atividade econômica, a dívida alcançará 92% do PIB, indicam estimativas do Itaú.

 

O economista acrescenta que, se a trajetória da dívida continuar avançando de forma acelerada em 2021, o risco para o crescimento econômico aumenta consideravelmente, sobretudo se outros países conseguirem estancar a pandemia agora e não precisarem ampliar os gastos no ano que vem. Isso porque, na comparação com outros mercados, o Brasil estaria em uma situação de ainda maior deterioração.

 

“Até agora, os gastos aprovados são transitórios. Mas quanto mais tempo durar o surto da doença, maior vai ser a pressão para o governo continuar ajudando em 2021. Aí o risco aumenta, principalmente se outros países lidarem bem com a crise da saúde e não continuarem elevando gastos no ano que vem. É importante tomar medidas adequadas para o surto não se prolongar.”

 

Reformas

 

Economista-chefe da BNP Paribas Asset Management, Tatiana Pinheiro concorda que, por ora, os gastos anunciados não “parecem abusivos”, mas destaca ser importante sinalizar “de modo crível” que a agenda de reformas continuará após a pandemia. “Se não tem uma sinalização e se não se otimizam os gastos, vamos reduzir o capital interessado