Carros autônomos sinalizam futuro da indústria automotiva

Jornal do Comércio

 

Já não é novidade que as novas tecnologias são o caminho de futuro para a indústria automobilística. Desde o final de março, quatro veículos sem nenhuma pessoa a bordo começaram a operar de forma totalmente autônoma na cidade de Jacksonville, na Flórida (EUA), para garantir o transporte mais seguro de testes de Covid-19. Eles percorrem uma rota que vai dos pontos de drive-thru na Mayo Clinic, uma organização sem fins lucrativos na prática clínica, até o laboratório de processamento da instituição.

 

A tecnologia dos carros autônomos permite proteger a equipe médica da exposição a um vírus que, como se sabe, é altamente contagioso, além de liberar tempo para eles se dedicarem ao atendimento aos pacientes. A iniciativa é resultado de um acordo firmado entre a Mayo Clinic, a Autoridade de Transporte de Jacksonville, a Beep, startup de serviços de transporte para mobilidade autônoma em ambientes de baixa velocidade, e a Navya, especializada no design e na construção de veículos. As rotas percorridas pela minivan, modelo de carro adotado, são isoladas de pedestres, tráfego e funcionários. Um veículo guiado é enviado junto para acompanhar o trajeto. Tudo é monitorado por um sistema de comando. “É emocionante poder levar esta solução inovadora para apoiar um desafio tão crítico”, destaca o CEO da Beep, Joe Moye, salientando a grande liderança em inovação na saúde da Mayo Clinic.

 

Mesmo que a maioria dos testes com carros autônomos no mundo esteja suspensa temporariamente em função da pandemia, iniciativas como essa são uma sinalização positiva do quanto as novas tecnologias podem ser fundamentais nesta evolução dos setores tradicionais, como o automobilístico, na direção de uma visão de futuro. Um setor, aliás, que está sendo bem castigado por esse cenário. Estudo da consultoria global McKinsey em parceria com o seu Center for Future Mobility mostra que o efeito mais imediato e visível do coronavírus no setor automotivo tradicional é a paralisação de muitas fábricas – que provavelmente produzirão 7,5 milhões a menos de veículos em 2020. No auge da crise, mais de 90% das fábricas na China, na Europa e na América do Norte fecharam. Com as vendas de veículos em queda, vieram as demissões.

 

Ao analisar o impacto da Covid-19 em futuras soluções de mobilidade, a instituição prevê que o avanço da pandemia e a busca por distanciamento físico vão influenciar as preferências da mobilidade das pessoas. Entre 2020 e 2021, os indivíduos se afastarão dos serviços de mobilidade compartilhada e do transporte público, para reduzir os riscos de infecção, e irão preferir usar o seu próprio carro. Em cidades chinesas, carros particulares, caminhadas e ciclismo ganharam mais participação desde o início da pandemia, enquanto o número de ônibus e metrôs diminuiu. Essas mudanças deverão ser temporárias, e as soluções de mobilidade compartilhada devem se recuperar.

 

Ao mesmo tempo, o estudo da McKinsey aponta que a pandemia pode produzir algumas mudanças permanentes no longo prazo. É o caso dos veículos autônomos, que, se aprovados para uso na estrada, podem ter uma demanda acima do esperado, pois permitem o distanciamento físico. O setor automobilístico já vinha sendo um dos mais impactados pelas mudanças que chegaram com a nova economia digital – basta dizer que muitas montadoras consideram players como Baidu, Uber e Apple como seus grandes concorrentes, e não mais os seus pares tradicionais. Um cenário como esse de Covid-19 deverá ser ainda mais desafiador e reforçará a visão de inovação e de atenção às novas demandas dos consumidores.

 

“Um ciberataque a um veículo autônomo pode ser catastrófico”

 

Muitos testes de veículos autônomos pelo mundo estão temporariamente suspensos em função deste cenário de Covid-19, mas não há dúvidas do quanto essa tecnologia será acelerada quando tudo se normalizar e o 5G se tornar uma realidade mais efetiva no mercado. Mas uma questão que segue sendo estudada e que realmente precisa evoluir é o tema da segurança.

 

“Um ciberataque a um veículo autônomo pode ter uma consequência catastrófica”, alerta a engenheira Fernanda Gusmão, membro do Instituto de Engenheiros Eletrônicos e Eletricistas (IEEE) e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

 

Jornal do Comércio – Onde estão os maiores avanços e desafios para os veículos autônomos no mundo?

Fernanda Gusmão – A tendência será termos cada vez mais veículos autônomos de carga e de passageiros em ambientes controlados, como faixas exclusivas, parques e pátios de empresas e indústrias. Isso já acontece em países como Alemanha e Estados Unidos. Os desafios que já foram mais bem solucionados são a detecção de objetos e a autonomia de traçar rotas, porém a interação entre veículos autônomos e não autônomos em um ambiente não demarcado ainda é um desafio para a Inteligência Artificial e a segurança.

 

JC – É grande a expectativa do 5G para que esse mercado realmente seja viável. Que benefícios essa tecnologia de conectividade poderá trazer?

Fernanda – A tecnologia 5G traz mais velocidade na comunicação entre dispositivos, e isso favorece que o controle e o processamento remoto de informações sejam rápidos, o que é fundamental em muitas aplicações, como a de veículos autônomos. Na indústria automotiva, o impacto será positivo, pois aumentará a capacidade de comunicação dos veículos com bases de controle e entre veículos e outros dispositivos. Por outro lado, com o advento dos veículos autônomos e esses estando conectados a uma rede de internet e podendo, facilmente, ser acessados fisicamente, estão sujeitos a ataques pela comunicação para detecção de rotas, informações de programação, detecção de chave de proteção ou por engenharia reversa para identificar programação do veículo.

 

JC – A que tipo de ameaças estamos vulneráveis?

Fernanda – Um ciberataque a um veículo autônomo pode ter uma consequência catastrófica, desde roubo de mercadorias até sequestro de veículo e pessoas, até provocar acidentes deliberadamente. A regulamentação é muito importante para determinar quem foi o agente causador do acidente e ações para acionamento de seguro para os bens materiais e para as pessoas. (Jornal do Comércio/Patrícia Knebel)