Ameaças ao seguro

O Estado de S. Paulo

 

Em abril, a indústria automobilística nacional produziu pouco menos de dois mil veículos. A produção mensal correspondeu a menos de um dia de produção de uma planta da Fiat em Minas Gerais. Foi o desempenho mais fraco desde a chegada da indústria automobilística ao País, em 1957.

 

A explicação deste número é o coronavírus e o fechamento quase que completo da economia. O que significa dizer que, em maio, a situação não deve mudar muito e, provavelmente, nos próximos meses também não.

 

Há quem veja na pandemia uma razão para as seguradoras aumentarem seus lucros. É uma ideia equivocada. O Brasil tem mais de cem seguradoras. Se dividirmos o total de veículos novos produzidos em abril linearmente entre elas, cada uma teria menos de vinte seguros novos. Mas, como no mundo real é diferente, algumas com certeza não fizeram um único seguro novo e a que segurou mais não fez setecentas apólices.

 

De outro lado, as seguradoras têm seus colaboradores, corretores e impostos a pagar. Alguém imagina que dois mil seguros novos são suficientes? Numa conta simples, esses seguros totalizariam no máximo R$ 10 milhões. Para dar uma ideia de quanto isso não é nada, uma única seguradora faturou em 2019 mais de R$ 15 bilhões. A conta simplesmente não vai fechar.

 

A situação é tão ruim que algumas companhias já estão pensando seriamente em deixar de operar com seguros de veículos. O problema é que os demais ramos também não estão tendo um desempenho vagamente medíocre. Além de não estarem contratando seguros novos, os segurados estão deixando de pagar suas apólices.

 

Quer dizer, o faturamento está colapsando e, ainda que a crise tenha reduzido os acidentes de trânsito, os outros ramos continuam tendo sinistros, até porque, com as dificuldades econômicas, aumenta o número de tentativas de fraude contra o seguro.

 

Como o cidadão não tem de onde tirar recursos, nem consegue vender patrimônio para fazer frente a seus compromissos, ele simula um sinistro, seja lá do ramo que for, veículo, incêndio, roubo, etc., e cobra a indenização da seguradora.

 

Uma parte dessas fraudes é identificada e a seguradora não indeniza, mas algumas passam e a indenização é paga, em detrimento dos segurados honestos que, na renovação de suas apólices, terão o aumento de preço consequente do pagamento das indenizações indevidas.

 

Um exemplo de como isso funciona pode ser visto em informações dadas por duas das principais empresas de recuperação de veículos roubados ou furtados. Segundo uma, 85% dos veículos furtados não recuperados foram fraudes para receber a indenização do seguro. E a outra informa que, se é verdade que o número de roubos de veículos caiu em função da crise, também é verdade que houve o aumento significativo dos avisos de furto de veículos estacionados, quer dizer, sem ameaça ou violência contra o segurado. Esses avisos, tradicionalmente, desde as crises econômicas do século passado, indicam o aumento indiscutível das tentativas de fraude contra o seguro.

 

É importante frisar que, durante as últimas décadas, o seguro de veículos sempre esteve entre as principais carteiras de seguros brasileiras. Aliás, nada que não aconteça no mundo. Afinal, boa parte da economia internacional, desde a primeira metade do século vinte, gira em torno da indústria automobilística, cuja cadeia de produção é muito mais ampla do que seu final, onde estão as montadoras.

 

Num cenário onde o governo informa que reviu suas projeções e que teremos uma recessão de mais de 4,5% em 2020, não há como as seguradoras terem um ano positivo. Boa parte delas ainda tem o seguro de veículos como um de seus principais produtos e, levando em conta a produção de abril, não é por aí que ganharão dinheiro.

 

Para piorar, a nova onda de desemprego compromete o faturamento dos seguros de vida e dos planos de saúde privados, já seriamente afetados pela pandemia do coronavírus. E, para completar, o governo quer criar uma moratória para o pagamento dos prêmios. Decididamente, 2020 vai ser muito complicado para o setor de seguros. (O Estado de S. Paulo/ Antonio Penteado Mendonça, sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e secretário-geral da Academia Paulista de Letras)